sexta-feira, dezembro 08, 2006

Pobre do Porco

Pobre do porco

Quando nasceu, perdeu a mãe,
que precisava gerar outros
porcos.

Cresceu tão sozinho,
no meio de tantos,
o pobre do porco,
logo foi castrado,
ficou desdentado,
supra-alimentado,
logo ficou gordo,
anabolizado,
logo foi ceifado,
limpo e embalado,
pronto para ser
comercializado,
logo foi comprado...

Pobre do porco...
Não fosse tão gordo.....
Não fosse tão gostoso...
Tão gorduroso!

Talvez escapasse
de um destino, assim tão,
tão glorioso:

Ser o (in)feliz
protagonista de
uma charmosa
comemoração.

O prato principal!
Grande e grelhado
astro da maior
das festividades.

O grande alvo
dos holofotes.

Mas o acaso é algoz cruel.
(E as idéias se repetem)

O porco, o pobre do porco,
pouco antes de ficar pronto,
escorregou, caiu na brasa.

- Quem foi o filho da puta
que deixou essa merda
cair na churrasqueira?

festa, insatisfeita,
protesta, mas logo o luto
cessa. É festa! Tanta
cerveja ainda resta,
todos voltam depressa,
para a celebração.

E o porco,
pobre do porco,
acabou cremado!

Viveu por nada,
morreu em vão.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Mlle. L. chegou (parabrisasparalaura)

Nessa näif em que me visitas
não é tua beleza que te faz bonita
(tua beleza é um vazio é
um cio de formas aflitas)...

.corre-me o risco de vê-la feia, de tanto que és bonita.

Corre-me de vê-la o fragmento
na metadetempo
desse frágil objeto-concreto em estrutura.
Dividindo nosso encontro
em sua falsa-formosura sofrimento.

Chegas, desfazem-se elas todas:

Mais que amar mais tranquilo:
eu transparente, ela de vidro.
e sabermo-nos túrgidos
de nós diluindo
( aquarelas )
nas manhãs de domingos.

terça-feira, novembro 07, 2006

Perdida (ou “Pérdida o ganancia”)

Do colapso dos desencontros
Entende-se a e-x-t-r-a-o-r-d-i-n-á-r-i-a recusa da referência em ser referência
Qual vão maior, maior é?
Metada-se? Desmeta-se?
Fragmenta-se tudo
Matéria e espaço
Tempo e prioridades
O caso vira descaso
E alvorada

sexta-feira, novembro 03, 2006

Em cada acaso e cada esquina,
há pouca sorte e muita sina
e as profecias que se auto-cumprem
continuam cumprindo a sua função:
Tornando cada ato vão,
O imprevisível destruído no
mundo da tal globalização.
E então eu penso no mercado,
Tão ingrato! Não cumpriu o nosso trato,
Me deixou aqui na mão.

Logo eu, que tomei todas as marcas de refrigerantes
e muito antes de todo mundo comprei
o disco original da melhor banda
e paguei no crédito! ( ou foi no débito?)
Eu comprei remédio.
Fui ao cinema pra espantar o tédio.
Eu tomei sorvete,
matei a sede com gatorade,
eu que comprei até smoking
para fumar o meu baseado!
Mas o mercado, tão ingrato!
Não cumpriu o nosso trato,
me deixou aqui na mão.

Mas que porra!
Eu tomei cerveja
e assisti todas as propagandas,
Joguei na loto toda semana,
Comprei guitarra, videogame,
umas revistas, aluguei fitas,
Mas já comprei meu DVD!
Eu escuto rádio e vejo TV,
Mas e aí que você vê,
Como o mercado é tão ingrato,
não cumpriu o nosso trato,
me deixou aqui na mão.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Carta-renúncia

Camaradas,

soberba - ou falta de falsa modéstia - à parte, estou farto de ser tratado como um reles instrumento barato ou qualquer coisa que o valha.

Esta é a pior face de uma vida profissional média. Por um lado, considerando nossas próprias experiências, estamos cientes de que somos seres acima da média, capazes de auto-gerir nossas próprias atividades, para ficar em apenas um exemplo. Por outro, no âmbito pessoal, ninguém nos conhece o bastante para nos subestimar quando é conveniente. Não somos meros produtores de pilhérias. Tampouco podemos aceitar comodamente a espúria tarefa de apenas levar adiante conteúdos vazios e inócuos.

Abaixo as tarefas medíocres e braçais, que não exigem mais do que saber contar até dez e escrever tal qual alguém que foi semi-alfabetizado!

Proponho a criação de uma comunidade auto-sustentável e de administração horizontal - uma zona autônoma. Local em que seria plenamente possível fazer desabrochar todo o nosso lirismo em meio a doses cavalares de vinho vagabundo e artesanal, fabricado a partir de uvas amassadas por nossos pálidos pés.

Basta de querer servir a este mundo vil. Ele deseja apenas mão-de-obra barata e mentes subornáveis, não a nossa incompreensão. As pessoas comezinhas que dele fazem parte não nos querem, e por isso devemos dar às costas a tudo e a todos. Deixemos que o universo deles gire ao redor de nossos mal lavados e disformes umbigos, mas não sujemos as mãos.

Hasta la victoria. Siempre!
José

terça-feira, outubro 10, 2006

Destino de um poema cifrado

No breu noturno eu sempre te enamoro
e nas estrelas vejo o teu reflexo.
Sem espelhos! – Grande é o teu complexo!
Nos meus sonhos, eu sempre te devoro...

Eu não sei desenhar o sentimento
como tu, que desenha até um afago.
Perco-me! Por fim eu sei que naufrago
nos teus olhos, profundos como o tempo.

Ah! Mas cruel é o destino, pequena,
nos cercando dentro de sua arena.
Brincando! Tal e qual uma criança!

Como o ferimento de uma vil lança,
que no coração injeta esperança
e ao destino incerto nos condena.

Republicação revisada.

terça-feira, outubro 03, 2006

O suicídio é a maior das tentações
no mundo da superinformação
que desinforma e deforma
de forma que as normas respondam
à uma lógica ilógica e
anti-ecológica.
Não há saídas e
embora os caminhos sejam vários.
parecem dar todos no mesmo
lugar e apesar de toda
perseverança e esperança
é sempre mais fácil encher a pança
com uma boa picanha e
uma cerva gelada,
afinal, a vida anda tão complicada
que pensar é penoso e
perceber é chorar.
Melhor me vendar.
Melhor me vedar.
Melhor me vender.
Melhor me dopar.

domingo, outubro 01, 2006

Chegando.

Eu pensei seriamente em começar minha estada neste blog dizendo que é uma honra estar em tão refinada companhia, que não merecia estar incluído em tal rol de pensadores, filósofos, poetas e escritores e depois deslizar uma série de palavras tolas neste meu teclado frouxo só para concentrar o maior número de palavras por cm quadrado em um mesmo texto.

Foi então que me apareceu na mente o significado da palavra "barato" e fiz as devidas considerações.

quinta-feira, agosto 31, 2006

La Muerte lloró

La Muerte lloró
tazas de café
lazos amarillos de niñas
piez delicados
arena y horizonte

La Muerte lloró
pasto y rocío
besos de olas
canciones latinas
flores em la ventana

La Muerte sufrió el fin de su imortalidad
la muerte de su novio
su soledad

La Muerte sonrio el gusto de llorar
la eternidad del amor
su vida

Te conoci en la lagrima de la Muerte
Quiero vivir contigo en el canto izquierdo de la sonrisa de Ella

sexta-feira, agosto 25, 2006

Se não fosse Simão

Simão ordenou a matança. Se não fosse a tola esperança, a comunidade sucumbiria ao caos sugador e deitaria eternamente em cinzas. Ninguém se levantaria no dia seguinte por qualquer outro motivo, senão o orgulho. Se não abrissem os braços para receber avidamente o sol, não reconstituiriam sua cor pátria. Nada mais nada menos reconstruiu a comunidade senão a força interna de cada um. Se não fossem as rosas suas armas, as pilastras pouco sólidas seriam.

Simão viu tudo de longe e estremeceu. Poucas vezes teve a ousadia de chegar perto pois assistiu a aurora fênix brandir vigor. E se não tivesse renascido dos escombros haveria perecido a bela tulipa cultivada outrora por Simão. Correm lágrimas de orvalho nas novas pétalas. Gritam-lhe silenciosamente, senão pairam apáticas. Seus fortes tons corados coram em coro: “Deseja nos respirar, seu tolo!”. É forte vida arquejando nada senão o amor e o ódio. Se não fosse o desejo de vingança, o primeiro atingido não teria se levantado. E a vingança teria sido maquinada se não fosse a auto suficiência reconquistada. Nem pés nem cotovelos reergueram os queixos, mas sim mãos – destruidoras e inspiradoras. E cá está a maquete com o mesmo esqueleto e outro espírito. Não habitam nada senão reles humanos, bem como um dia Simão, antes de tudo. Se não fosse Simão...

sábado, agosto 19, 2006

Curto # 57

Se é que sou sexo
sem nexo se é que sou
complexo nexo desse sexo
sem sexo se é que sou

segunda-feira, agosto 07, 2006

Todos os dias quando acordo
em cima de um lençol laranja,
eu penso nas laranjas
que pras crianças nascem em caixas.
E então tudo se encaixa,
minha vida é tão laranja,
eu ando por ai em caixas
encaixotando a esperança.

sexta-feira, junho 30, 2006

43.964.547-X (ou Aprendendo a Viver)

Se bastasse gritar para que todos me ouvissem,
talvez desistisse de ser mudo.
Se soubesse viver neste mundo...
Gostaria de ser surdo.Ou cego. Credo!
Gostaria de não ser mais testemunha muda de tudo.

São tantas fotos, fatos, caras, bundas
Minha alma se inunda de
imagens imundas, enquanto na rua
a verdade
se esgueira pelos cantos,
se esconde nas sombras,
nas penas das pombas,
no cinza do chão,
depois do escadão.

Não a vejo.
Não vejo nada.
Finalmente me tornei cego,surdo,
imundo mudo.
Vendi-me. Vendei-me.
Aprendi a viver neste mundo.

***

Quanto mais me limpo, mais me sinto sujo.
Quanto mais escrevo,mais me sinto mudo.
Quanto mais eu leio, mais me sinto burro.

Acho que aprendo, mas me iludo.
Acho que sou tudo, mas sou nulo.
Sou só um número.

terça-feira, maio 09, 2006

curto # 12

o almoço do velho
é o moço
o almoço do moço

o que sustenta a carne é o osso
o que sustenta o osso
o moço

segunda-feira, maio 08, 2006

# 47 & # 49

#47

En lo feo,
en lo hermoso,
lo dificil es saberla descubrir...

en los profundos lagos de la alma,
en lo encanto de las plazas solitarias,
recobridas por las almas antiguas...

hay que ser uno y ser mil y soñar cosas
en todos sus matices.
para saberla despierta...

en si, una alma,
distinta y contraria,
recobrida como las plazas solitarias,
por las almas antiguas,
distintas y contrarias.


#49:

Assusta-me apossibilidade real do fim do corpo,
não pela possibilidade real do fim do corpo,
mas pela angústia da possibilidade real da sobrevida da alma...

Marcos ( corrijam-me o espanhol, se necessário, por favor! )

quinta-feira, abril 27, 2006

Meu desejo é sair dessa caixa de fósforo

Meu desejo é sair dessa caixa de fósforo
De onde enxergo outros prédios, outras luzes acesas, outros perdidos na madrugada
E abraçar alguém
Dizer “Oi” para o padeiro
Cumprimentar o vendedor

Sair desse mundo que não fede, nem brilha e muito menos se bate
Bater a cabeça no galho da árvore
Passar por cima da faixa de pedestre
Ver

Sem mais diálogos de dedos não vistos
Partos invisíveis de sentimentos
O egoísta rubor das bochechas
Que se mostram vermelhas apenas para o meu próprio calor

Quero dedilhar o vento que acabou de voar seus cabelos
Que driblou o contorno de seu corpo
Que arrepiou seu braço nu
Braço que enxergo a minha frente

De repente transferi a maior parte da minha realidade –
irreal –
Para o universo de símbolos virtuais
Provando a teoria do vazio do pós-moderno

Quero sentar no tronco ao seu lado e proferir palavras que você sorverá
E farão arregalar seus olhos
Subir suas sobrancelhas
Mover seus lábios
Salgar suas lágrimas
Diante de mim

Preciso sujar meus pés de areia
Engasgar com a água salgada
Entrelaçar meus dedos nos seus
Chutar e machucar o dedão
Brilhar para o sol

E o silêncio é nosso lar

E o silêncio é nosso lar
É a coberta que aquece nosso inverno, outono e madrugadas gélidas de outras estações
O silêncio é o livro que descansa na nossa cabeceira
A caneta que dorme na mão
Nosso mais delicioso diálogo
É o silêncio que nos cobre de beijos tenros
De finas gotas hidratantes

O nosso silêncio tem cor de neblina
Cheiro de cumplicidade, de nós, de agora
Um silêncio que não nosso tem farpas e labirintos,
Quando o de nós é a céu aberto, céu azul, grama fofa sem insetosÉ provar a eternidade até que a primeira lembrança de compromisso grite e estoure nossa bolha de cetim.

segunda-feira, abril 17, 2006

Suas palavras são para mim
orgasmos múltiplos.

segunda-feira, abril 03, 2006

Amar mais do que eu te amo
é desumano.
É mais do que raro:
é errado e é claro
que é impossível,
ininteligível,
incognoscível.

Não há metáfora, pois não há imagem,
está alem da imaginação.

quarta-feira, março 29, 2006

Insônia

Insônia, insônia...
o que seria do poeta sem ti?
Tantas vezes és amaldiçoada,
mas senão fosse tu
nesta folha
o nada.

Insônia cruel me responda:
onde está o sono agora?
Talvez no leito da pessoa errada...
Talvez junto a mulher amada...
Longe... Bem longe.
Tão longe que não sei onde.
Nem sei como achar,
nem quem procurar.

Seria lindo dizer que escrevo para o mundo cantar.
Mentira!
Escrevo para o sono alcançar.
Mas ele esta tão longe...
Tão alto...
Passou a lua
e quebrou a direita rumo a alguma galáxia distante.

Se ao lado do copo d’água
houvesse uma pílula de lexotan,
quem sabe adormecesse.
Mas não há.
Só há um maço de cigarros,
um punhado de lembranças
e um pouco de esperança.

Ah...
Estou acabado.
Descansar é preciso,
como eu preciso...
Mas o olho não quer fechar.
Então ao menos fecho o caderno,
jogo a caneta de lado
e deito

Fico aqui

olhando o teto, desperto,
cada vez mais perto,
prestes a me esmagar.

terça-feira, março 28, 2006

Curto # 36

para minha avó e para que eu sempre me lembre dela.


Duas caras tem Alice
no espelho ela lhe disse
(para uma que inexiste)
para que a outra inexistisse...

sexta-feira, março 24, 2006

Bienal do Livro

O calcanhar dói na longa caminhada por entre a feira no Anhembi. É o penúltimo dia da Bienal do Livro. As conversas e as expirações abafam o local. Passamos por um stand interessante, para o qual aponto meu nariz chamando a atenção de minha colega. Um homem de colarinho apresenta as obras aos transeuntes.
- Editora Ave-Maria.
- Jesus...
- É, literalmente.

terça-feira, março 21, 2006

Disparo
- Paro!
e penso
que a vida convida
ao desespero mais intenso.

Sufoca, estrangula e enforca,
cerca e cerceia,
censura qualquer tentativa,
todavia tento

Tento desesperandamente
no desespero mais intenso

Tento viver na alegria,
mas a vida é arredia
não sei se eu agüento.

terça-feira, março 14, 2006

Sobre Passos e Criaturas

Em meio a tudo que se sonha baixo, se fala baixo
Na ponta dos dedos se caminha com cuidado
O piso é frágil para os espíritos abusados
A loteria não premia mais os sorteados
Desdo dia em que a passos pequenos
Deu-se o completo silêncio
Naquele exato momento
Ele havia encontrado...
Livre agora está
Ou melhor,
Não está
Mais
Aqui
Quem falou
De bilhete algum
Quando o chão desaba
É só não ter mais medo agora
Vai durar apenas alguns instantes
Aqueles que sonham as vezes esquecem
De sair de dentro de suas próprias criaturas

sexta-feira, março 10, 2006

De mudança

Mudei-me. Dizem – e não são poucos, o que torna o dizer, além de chavão, uma função fática, estilo conversa de elevador ou, ainda, prato cheio para preconceituosos que interpretam a frase como uma prova de que o locutor não é lá um poço de cultura – “ano novo, vida nova”. Pois bem. Tenho novo endereço.

Fica em uma esquina qualquer na capital paulistana longe do horizonte praiano, próximo ao movimento constante de caminhões, gritarias, alguns pios e aviões. A passagem de pedestres é freqüente, mas não tem uma rotatividade definida. Ora sozinha, ora sozinhos. É um lar raso, humilde e adaptável. Moro num país descuidado, abençoado por nós e estranho por natureza. Minha casa é uma gota de lágrima.

segunda-feira, março 06, 2006

Que falta faz?

Que falta faz?

Que falta faz, a quem não traz na alma o amor,
um dia claro, um riso?

Como fosse embora a dor,
ao acusar a culpa em quem não o apraz,
para dissimular em suas orações,
suas eternas dúvidas e contradições.

Se quis um mundo melhor, para os seus e para você,
assistiu o seu mundo ruir...

Que falta faz, a quem não traz na alma a dor,
um dia claro, um riso?

Marcos

Como fosse embora o amor,
ao acusar a culpa em quem não o apraz,
para dissimular em suas dúvidas,
suas eternas culpas e contradições.

Se sou
o tipo certo de homem errado para entender,
entendi a falta, e assisti
o meu mundo...

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

À primeira xícara de café

Vou escrever uma canção adolescente,
Mostrar os dentes pra essa nossa geração...
Para dizer que quando nunca é muito pouco,
Para sempre pode estar perto demais...

Vou escrever uma canção bem bossa-nova,
Pra ver se ganho algumas notas nos jornais.
E comprar o meu prazer por pay-per-view:
Por qual miséria a gente já não paga mais?

Disfarçar cartas com essa cara de contente,
Dizer qualquer pouco prazer já satisfaz.
(Mas se nós não morreremos jovens,
Pelo menos não morreremos iguais...)

Desabafar meia dúzia de mentiras,
Pra te ganhar nessa selva de ilusão.
Ler nossas vidas em papéis moeda,
Mercantilizar a nossa relação...

Uma canção feito um filme americano, eu te engano e você sempre pede mais...

Marcos, 19 de abril de 2003

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Quase Nada

Alguns me perguntam
o que faço de verdade para mudar o mundo,
além de ficar reclamando das coisas
e brincando de ser poeta.
O que faço de verdade?
Quase nada.
Apenas poesia.
E as pessoas podem até não gostar mais de poesia...
Podem até não ler mais poesia.
Mas elas não podem afirmar que a poesia é nada!
Pode até ser que não seja muita coisa...
Mas ninguém pode ao menos insinuar
que uma poesia (mesmo a pior de todas)
não é de verdade.

sábado, fevereiro 18, 2006

El mismo

Se houver algum erro, perdoem e corrijam! É a primeira coisa que escrevo em espanhol, portanto...


Se quedan las horas,
y me pasa inadvertido el mundo...
también así cambié mis sueños que no eran mis sueños,

para satisfacer la vida.

Se quedan mis sueños,
y me pasa inadvertida la vida...
cambié así, también, mi mundo que no era mi mundo,

para satisfacer las horas...

y tengo placer en todo que está vivo, y en todo que existe para ser cambiado...
Todo que soñaba era otro que soñaba...

Y la vida fue hecha
Sin que yo, apenas uno, fuera yo aún.

Mi mundo era otro.
Yo era el mismo.

Marcos, fevereiro 2006

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Nós

Antes de postar o poema, é preciso esclarecer duas coisas : primeiro, que esse poema foi escrito em um bar, na ilustre companhia de um grande pensador e camarada chamado Luís Castiglione, autor de grande parte das palavras, rimas e idéias desses versos. Por fim, é preciso esclarecer que somos escritores baratos, não burros. As palavras escritas aqui que não constam no dicionário são propositais. Parece óbvio, mas sempre é bom evitar interpretações maldosas.

************************************************************************************

Somos a resistência encarnada
na mais (im)perfeita negação.
Aqueles que ousam olhar
entre as frestas dos próprios dedos
e sentir a clareza e o calor
de algumas poucas ondas de luzes
que penetram os olhos e
por um breve momento
como lentes de aumento
aprimoram o olhar.

Evidentemente a gente sente
tudo aquilo que nos cabe.
A evidência que informa que
na norma do Universo não há normas,
muito menos uma forma
a ser evidenciada.

Não há jogo a ser jogado,
Não há dado a ser rolado,
somos o dado viciado
tentando se desviciar.

O indivíduo estragado
tentando num trago
se desestragar.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Curto

Quando me perco em certos turnos,
cego ao começo do fim de tudo
Espero...
Receio...
Fumo...
e embora tudo um novo começo,
antes pedaços, que esquecimentos...

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Idéias Anacrônicas sobre o Amor

Vol 01- O Beijo

O beijo é um momento sagrado
pulverizado e vulgarizado.

Ficou apenas o ato, o tato, o atrito
objetivo sem sentido.

Dois egos que beijam a si mesmos
com a ajuda da boca alheia.

Paralelas que se cruzam
num ponto perdido e
já previamente esquecido.

Vol 2 – O Sexo

O sexo é um momento sagrado
pulverizado e vulgarizado

Ficou apenas o ato, o tato, o atrito
objetivo sem sentido

Dois egos que masturbam a si mesmos
com a ajuda do sexo alheio

Paralelas que se cruzam
num ponto perdido e
já previamente esquecido.

“Isso é Serra!”

Feriado da Independência. Rua Augusta. Frio.

Na famosa rua das profissionais do sexo, próximo ao Espaço Unibanco, um aglomerado de policiais e civis atrapalha o trânsito e chama a atenção de mais curiosos, que misturam-se à fila do cinema ao lado. Os “gambés” confiscam mercadorias de camelôs, dentre os quais, um vendedor de livros. Este expõe sua indignação exclamando para os transeuntes:
- “Eu vendo livros! Livro é cultura! Por que eles não vão prender os bandidos?”
Uma moça, na sacada de seu apartamento, em frente ao auê, complementa:
- “Por isso o Brasil não vai para frente!”
Todas as atenções voltam-se para ela, que continua discursando sobre a incoerência daquele confisco em detrimento da caçada aos assassinos, seqüestradores e outras categorias semelhantes.- “O cara aí é trabalhador! Ele vende cultura!”

Ela dá um trago em seu cigarro, solta a fumaça, enche o pulmão de oxigênio e conclui apontando para a muvuca:
- “Isso é Serra!”.

“Bebê africano rende”

Essa eu tinha que enviar...Dêem uma olhada nas fotografias se puderem...



Hoje, no sítio do Terra na Internet, sob a imagem do rosto de uma mulher sendo tocada nos lábios pela mão de seu filho, li a seguinte chamada:

“Bebê africano rende melhor foto de 2005”

Seguia uma pequena notícia versando sobre “um dos prêmios mais importantes do fotojornalismo”, o World Press Photo, vencido pelo canadense Finbarr O’Reilly. James Colton, presidente do júri, disse: " Esta imagem tem de tudo: beleza, horror e desesperança. É simples, elegante e comovente".
Pensei sobre a história do fotojornalista sul-africano Kevin Carter, vencedor do Pulitzer do ano de 1994. Carter suicidou-se no mesmo ano, pouco tempo depois de ter fotografado a morte de uma jovem garota sudanesa. Suicidou-se, em linhas gerais, por ter obtido a imagem e nada ter feito para salvar a vida da menina. A fotografia de Carter é realmente impressionante. Crua, cruel. Difícil de esquecer.
Entre a fotografia de Carter, bastante real, e a fotografia de O’Reilly, existe uma diferença nítida: a preocupação de Finbarr O’Reilly com a estética da imagem. O fotógrafo, diante do horror da fome de mãe e filho, preocupou-se em obter um efeito visual esteticamente interessante, aos moldes da “National Geographic”. São premiações diferentes, claro. E desde 1994 até 2005, a repetição das imagens da miséria pelo mundo banalizaram a miséria real a ponto do segundo fotojornalista, diante da miséria real e viva, pensar na fotometragem de sua câmera fotográfica e no enquadramento e efeito estético da miséria impressos no jornal. As imagens ajudam a vender os jornais. Foto-Showrnalismo.
Mas a diferença não está apenas no interior do campo de atuação dos fotojornalistas. Nesses tempos, as imagens ganharam uma importância difícil de mensurar. O real não é mais importante, mas sim sua tradução em imagens, preferencialmente carregadas de enorme quantidade de maquiagem.
Capturar a beleza na miséria exige uma boa dose de amor à arte.


Marcos, 10 de fevereiro de 2006

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Los Hermanos, Nietzsche e o cristianismo

Pessoal, é uma tentativa...acho que necessita de melhor argumentação, mas taí aberto pra colaboração e discussão...


Os fenômenos da música “pop” são interessantes pra desvendar nuances da psicologia coletiva...Pense sobre o “Los Hermanos” e o seu efeito comercial implacável (ou emplacável): parte da juventude brasileira, a parte que guarda em si o sentimento nebuloso da nostalgia (sobre a própria vida vazia), ou até um sentimento sincero de tristeza profunda por não ter nascido em Londres durante os anos oitenta, acumulada à parte da juventude de viúvas do Chico Buarque, somada à necessidade das massas de se agruparem ao redor de um totem, aliado ao talento dos produtores musicais e ao talento dos músicos “Hermanos”, gerou o sucesso da banda. É quase só isso. Simples assim. Mas esse mesmo comportamento acontece há séculos, o que permite interpretá-lo de outra maneira. Os cristãos “inventaram”, ao longo de sua chaga terrestre, um Deus para os fracos, onde todas os pecados e virtudes são imaginários, ou seja, são sublimados para um campo da existência distante da realidade palpável, e onde o sofrimento é uma forma de elogio e elevação do espírito. Os contemporâneos, embora não se assumam necessariamente como homens cristãos, guardam em si a maneira de viver de um religioso cristão fervoroso: um homem empobrecido interiormente, fatigado e apegado à idéia de outra existência ( a realidade sublimada) como salvação: a salvação é o totem que ilumina os caminhos. É nesse sentido que as “profecias” dos músicos e o seu conseqüente “endeusamento” se dão. E a fábrica de sucessos expressos agradece a quantia depositada nas contas das multinacionais. E o coro canta. Enquanto o couro come.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Pessoal, eu não escrevo bem como vocês, mas ess´aqui está mais sincero e claro...


Marrom número 31 (jav)


Eu era o exterior morando dentro de mim.
Cego desejoso da alma feminina que sempre esteve aquém,
tinha eu o céu senil da classe média em minhas mãos,
aperfeiçoado pela estupidez provinciana e vulgar...

Quando corajoso despi, do corpo, o lento movimento
gritei a falta sentida de quem eu sou,
e veio cantar, dentro de mim, o vento, alvissareiro e abrasador,
enquanto ancorado, sentia eu outras dimensões do tempo...

o desejo pela ilusão do todo desfeito cegou,
e seguiu amputando esta parte de mim, meu algoz e capataz, que me era tão inútil.
Foi um fim em si mesmo, um pesadelo sutil de realidade...

Dos pecados e das penas cristãs impostas a mim,
desenhei e construí as asas da minha verdade...

Lúcidos, anunciaram-se os anjos de carnes e gozos,
E no seio dos desejos alheios eu me perdi...
Não tardou, e
o sussurro veio soprado quente:
Não se enfeita o que se revela cru...


Desenterrei meus pulmões queimados, cuidei-os,
e respirando lá fora, vivo, senti o aroma de todos os chãos que pisei,
esquecidos nas asas do anjo mulher ornamentado de entalhes barrocos,
dormindo nua, sem desconfiar do futuro, entregue...

(Vi o sorriso de olhos fechados logo antes do sono profundo),
(Um celeiro de fachadas coloridas nas fotografias, iluminando os meus olhos e os de Cristie).


Marcos, fevereiro de 2006

domingo, fevereiro 05, 2006

Cetim desfiado

(Evito interpretações equivocadas desde já: adoro Bukowski.)

Como poros do Nada
inspirando sexualidade
Partículas de Vazio
Apenas a braços dados em apertados e reles abraços

...como se fossem...

Não.

Conteúdo rasgado
Cetim desfiado

Tua catarse brutal
Maré furiosa sobre conchas rosadas

Entregar-me-ia
...fosse outrora
Antes de tantos tantos
Quando uma doçura inocente ainda era posta de lado
E alimentada era apenas a voracidade do carnal

Tu já contemplas uma poesia...
...que eu ainda vivo

Tu te cansaste de procurar a beleza eterna
E devoras o belo efêmero

Como se fosse Bukowski

Quando quero Vinícius

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Proesia

Se a vida de alguns poetas já era torta desde o nascimento, a minha – logo eu, que nem tenho certeza ainda se sou ou não poeta! – era torta antes: torta desde a concepção.
Minha mãe, a mais bela gaúcha do mundo (embora ela não saiba disso), tem o útero invertido, o que quer dizer, de certa forma, que eu dei a volta. Ela me diz que fui concebido por milagre, de tanta vontade que eu já tinha de viver. Creio que foi diferente: me imagino perdido, fugindo da multidão de espermatozóides, encontrando, perplexo, o óvulo que todos – menos eu – procuravam tão avidamente.
Não bastasse dar a volta no útero, tive que nascer de repente, tão logo o médico constatou que o cordão que me garantia a vida me enforcaria até a morte. Não havia tempo para esperar o parto, então partiram ao meio a barriga da gaúcha e de lá me tiraram. Já nasci enrolado, como gosta de brincar meu pai.
Nasci sem chorar, pois o ar já me faltava, o que levou minha pobre mãe a crer que dera a luz a um natimorto.
Dias atrás, bebendo e conversando com mamãe, fiquei sabendo disso tudo e achei que deveria escrever um poema. E é o que faço agora.
- Mas isso não é poesia! Logo bradarão todos após ler minhas palavras toscas.
Oras, pra quem deu a volta no útero e nasceu se enforcando com o cordão umbilical, qualquer coisa é poesia.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Post inaugural

Entro para o blog com ansiedade de lançar minhas palavras ao vento virtual e com receio de não permanecer à altura dos outros escritores com quem compartilho este espaço. Membros estes que estimo horrores e maravilhas. Que prossigamos na eterna luta deliciosa de ver poesia no caos. Para post inaugural, deixo meu texto-carta, dedicado à todos os seres humanos.

Carta

Espero que o seu sorriso de satisfação de quem vai de braços abertos ao que afirma novo e inesperado E suas expectativas invisivelmente estampadas na consciência Sejam surpreendidos por diferenças e novidades jamais refletidas

Espero que este impacto lhe faça pender para o lado evolutivo da moeda Que esta transição faça tremer o seu chão Que tais novidades "subversivas" não apenas transcendam seus valores como derrubem os muros que limitam o avanço de seus raciocínios Que quebre preconceitos e tabus que havia incorporado anteriormente

Espero...

Não que se transforme em um completo niilista Mas que não mantenha trancadas as portas para universos diferentes Que após ser abalado pelo choque de diferenças Reerga-se ainda mais forte Utilizando a força inerente à sua cultura e,principalmente, agregando valores de outros Valores que, não necessariamente se tornem os seus princípios, mas que lhe ensinem a olhar através da ótica alheia

Espero que reconstrua o seu chão Sob os escombros dos seus ideais conservadores destroçados pelo impacto da experiência pela mente aberta que permitiu enxergar novos horizontes Espero que volte fortalecido assim Espero que não evolua apenas a sua bagagem cultural como também a moral Espero com tanta sinceridade e intensidade quanto espero que isso ocorra comigo a cada segundo que respiro.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Era um cara normal. Um garoto normal. Vivia entre a casa, os “rolês” e a escola. Gostava de rock, tinha uma turminha de amigos. Fumavam maconha e bebiam pinga com coca-cola quando cabulavam aulas para jogar Winning Eleven. Jogava uma bola no domingo. Era tímido, ficava com menos garotas do que seus amigos, mas conseguia as melhores. Ou ao menos acreditava nisso. Acreditava também que não era bonito nem feio, e se sentia quase feliz com isso. Aluno regular, filho regular, pessoa regular. Tinha algumas idéias na cabeça, mas preferia abafá-las. Idéia polêmicas. Mas era melhor mesmo abafá-las. Cresceu, como todo mundo cresce, aos poucos, sem perceber, e continuava basicamente o mesmo, tirando algumas poucas mudanças. Já não cabulava as aulas, dessa vez da faculdade, para beber pinga e jogar videogame. Agora ficava no bar com a turma tomando cerveja. Mudanças na superfície, essência mantida.

Mas um dia, algo se quebrou. Sei, caro leitor, que isso soa meio clichê, mas a vida é assim mesmo. Algo se quebrou. Além disso, toda idéia é clichê, se analisada friamente. Ou, como disse o poeta ao carteiro, até a idéia mais genial, se repetida muitas vezes, soa idiota.

Como ia dizendo, algo se quebrou. Alguma coisa no coração daquele rapaz, na alma, na mente, sei lá, alguma coisa que mudou repentinamente, sem se fazer perceber, que lhe trouxe um desconforto que era antes desconhecido ou muito bem abafado. Sentia que algo estava tremendamente errado. Com ele. Com o mundo. Algo muito, muito estranho. Como eu disse antes, já tinha em sua cabeça algumas idéias, discordava do mundo em alguns pontos, mas no geral tinham um relacionamento bom. Mas, naquele dia, sentado em sua cama, ouvindo Pink Floyd e fumando um baseado, algo mudou em sua essência. Era assim que se sentia. Modificado. Era estranho, muito estranho. Não sabia se era bom ou ruim. Misturavam-se nele picos de amor e ódio ao mundo que o cercava. Sentia um misto de desprezo e paixão por toda a humanidade. Um misto de paixão e desprezo por si próprio. Pensava em si como algo estranho, externo, como se não tivesse pertencido a si mesmo até aquele momento. Não reconhecia mais seus gostos, suas opiniões, seus atos como seus. Era uma nova forma de percepção. Sentia-se dentro e fora de si, dentro e fora do mundo, sentia o paradoxo lhe invadindo as entranhas como um câncer impiedoso. Idéias estranhas partiam de seu coração rumo à sua cabeça como trepadeiras velozes que escalam um muro alto. Idéias conflitantes, deliciosamente paradoxais. Era realmente estranho. Não via sentido em nada e isso se tornara o verdadeiro sentido das coisas. Sentiu-se livre, porque finalmente sabia-se preso, não em um, mas em vários arcabouços. Mas tinha medo de tal liberdade. Suava frio, pensava em como administrar tantas mudanças tão repentinas. Pensou, pensou, pensou. Pensou mais um pouco. A cabeça já doendo e nenhuma solução à vista. Pensou mais um pouco, mais um pouco. Pensou tanto que cansou. Realmente não sabia o que fazer com aquele sentimento tão estranho.

Foi então que apagou o baseado, desligou o rádio e ligou a tv pra ver se passava.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Sobre o poeta

Em meus poemas cada palavra é um parto,
partindo em pedaços o meu coração.

E os meus diversos versos
nem são tão controversos!
ocupam na folha o verso
e acabam sendo o inverso
do que eram para ser

Minha cabeça está constipada
É preciso drena-la
Não sei o que fazer

Não escrevo porque gosto
ou porque acho que sou bom nisso;
Escrevo porque preciso escrever.

Sim, é verdade:
Eu não sei fazer poesia.

Mas eu tento.

Saudades de Madalena

Marinete hoje está diferente:
seus olhos transbordam saudades.
Deitada sob o sol,
a cabeça apoiada sobre as patas cruzadas,
Marinete pensa desesperadamente em Madalena.

Brigaram muitas vezes, é verdade;
Trocavam rosnadas e patadas o dia inteiro
Mas todos sabem que à noite,
longe de olhos humanos e enxeridos,
dormiam entrelaçadas como duas amantes.

Afinal, todo amigo é um amante.

Madalena foi viver em um lugar melhor, também é verdade,
mas nada disso consola
E agora, Marinete olha triste para a tigela laranja
perguntando-se qual a razão de tanta ração.


Ps : Este poema é dedicado ao Douglas e a todos os outros amigos de verdade, presentes ou ausentes. Não é preciso citar todos os nomes, quem é sabe que é.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Procuro o sono com um soneto
encontro apenas a folha em branco
folha molhada pelo meu pranto
que cai dançando um minueto

Queria mesmo escrever panfleto
onde seria deveras franco
confessaria como me espanto
quando esperto espeto o espeto

dentro do peito, com muito jeito,
bem devagar, pra não machucar,
com muito carinho e muito zelo

Espeto apenas para me lembrar
que apesar de tanto novelo
algo ainda bate dentro do peito.
Quem se importa com os índios de Chiapas?
Quem se importa com a miséria dos povos africanos?
Quem se importa com os Guaranis-Kaiowas?
Quem se importa com as pessoas das favelas?
Quem é que liga para os mineiros norte-americanos soterrados?
Quem é que perde seu tempo pensando porque não há terra para os sem-terra?
Quem perde o apetite com a greve de fome de um sem-teto?
Quem se importa com os cocaleiros, com os cocainômanos?
Qual é o problema de beber coca-cola?
Quem se importa com os presídios superlotados?
Quem se importa com a repressão policial?
Quem se preocupa com os direitos dos animais?
Quem se incomoda com o desastre ambiental?
Quem é que tem saco para malabarismo no transito?
Porque perder tanto tempo pensando na ocupação do Iraque?
Porque se importar com um palestino?
(Todo palestino é um terrorista em potencial)
Quem liga para a mercantilização do ensino?
Aliás, quem é tão burro de acreditar no movimento estudantil?
Quem liga para os tchetchenos, para os bascos, para os curdos?
Quem se importa com gays, lésbicas e travestis?
Quem gosta de hippies, comunistas, socialistas ou anarquistas?
Alguém dá a mínima para o sindicato?
Quem lê um escritor barato?
Quem se importa com uma porra de uma pomba cega e perneta?