segunda-feira, março 31, 2008

Dezessete segundos de mini-desabafo

Sinto falta de algumas feminilidades que as circunstâncias me subtraíram.
De cruzar as pernas por exemplo. Sinto muita falta disso.
Do balanço que embeleza o caminhar de qualquer mulher; das rasteirinhas, das botas e dos saltos. E de depilar as pernas regularmente.
São detalhes - cotidianamente, chegam a ser futilidades. Mas nenhuma mulher deveria perder esse tipo sutil de coisa. Faz falta.

a última alma adormece

para me acordar

a solidão aparece

quarta-feira, março 26, 2008

Curto # 34 (Eu em mim)

Alguma coisa mudou em mim:
meus poemas nunca foram bons
mas agora ficaram ruins...

terça-feira, março 25, 2008

De uma catraca a outra #7 - Aeromoça

Por vezes é necessária muita sensibilidade para salvar o dia. Por outras, pérolas brotam, e o dia pode começar com um: 'bom dia!'.

A letargia metrônica se dá ao fechar das portas do trem, o sono se mistura ao ar denso e quente do vagão superlotado, a respiração baixa e os olhos se fecham naturalmente, nesse dia fui interrompido por uma rotina modificada:
- Próxima estação Vila Matilde. Ao desembarcar cuidado com o vão entre o trem e a plataforma, evite acidentes graves.

O que despertou não foi o alerta, mas a voz dos alto-falantes, com a suavidade que raras comissárias de bordo, e/ou profissionais da voz têm, uma pronúncia clara e terna - a maquinista do céu, a viagem se deu incrivelmente agradável nessa manhã. Parecia que até o empurra-empurra havia dimiuido.

Me acusaram de iludido, mas meu 'bom dia' foi muito melhorado por esse fato. E então houve uma reação em cadeia de bons 'bom dia', um 'bom dia' animado pode animar, ou reanimar, uma pessoa, que pode responder com um sorriso e dar outro 'bom dia' melhor que o anterior - e assim até esbarrar novamente na loucura cotidiana pessoal. Com isso o começo da manhã foi garantido, o que nem sempre sustenta o resto do dia. Essa necessidade de âncoras de humanidade no centro de pedra, metal e eletricidade, pra suavizar o que nos foi roubado, ou reprogramado, pra uma pausa nos ponteiros do relógio. Quem precisa de um coração? Trens de aço? Homens de lata?

- Por mais maquinistas humanas!!!

domingo, março 23, 2008

(Sem Título) cap 2 Ticiano

Ticiano pegava o turno da tarde no movimento da viela da rua de trás. Era uma boca pequena, tranqüila, ficava na escada sozinho, pensando sabe-se lá no que, ou então passava tardes fumando e cheirando com os “amigos”. Claro que sempre era ele que botava a droga, que pagava com parte do salário, bastante gordo para os padrões da periferia. Sabia que a maioria da molecada bancava o risco de ficar fumando e cheirando com alguém do movimento pelo simples vício, mas não se importava, os viciados sempre existiram de um jeito ou de outro, pelo menos tinha companhia para passar as tardes vazias, sentia-se bem com eles, enfim, era um pouco viciado também, um pouco, ou muito, não sabia, usava e usava e não pensava muito sobre isso, estava lá, quase que fazia parte do serviço, muito ou pouco viciado sentia-se bem entre os viciados. Mas no fundo, no fundo mesmo, precisava disso para distrair a cabeça, pois pensava demais em Lurdinha. Amava demais a garota e, além disso, era um pouco, ou muito, ou médio ciumento. Quem poderia imaginar que o molequinho descolado da boca é tão inseguro?

Filho único de mãe solteira, queridinho, precioso, jóia da minha vida, meu campeão, Ticiano perdeu sua protetora no mundo aos doze anos, depois que um dos inúmeros casos que a bela morena mantinha, enciumado pela liberdade da rapariga, deu vinte e oito facadas no peito da coitada. Daí o menino virou homem, por força das circunstâncias. Mas mantinha suas infantilidades. A princípio, pensou que ia ficar maluco. Não sabia se a morte da mãe era boa ou ruim, estava impressionado, assustado consigo. De um lado, sentia falta da mãezinha querida, protetora, que fazia tudo por ele, trabalhava duro para pagar uma escola particular aonde ele poderia ter mais chances na vida, desde que agüentasse o preconceito, velado ou não, e os apelidos idiotas e quem sabe só um ou outro tapa na cabeça se tiver sorte. O importante é que você não está em nenhuma escola de traficantes, meu filho. Sentia falta da mãe que cuidava dele quando estava doente, que lhe contava estórias na hora de dormir, que lhe comprava doces e mimos, mesmo apesar da situação de dureza, da mulher linda que arrumava tão bem o barraco que o tornava tão aconchegante quanto aquelas casas da revista Caras. Mas outra parte de Ticiano se sentiu aliviada. Agora estava livre da proteção carcerária da mãe. Podia sair na rua, podia ter amigos da quebrada sem problemas, podia ir no baile funk do Capão, podia viver finalmente. E, pra melhorar ainda mais a coisa, não teria mais de agüentar as humilhações de seus amigos. “Hei meninão da mamãe, você sabe o que sua mãe faz a noite?”, “Ontem ela foi lá no barraco do meu tio Jéferson”, “Cara, aquela morena é quente demais, aqueles peitões!”, “Por que vocês não calam essa boca antes que eu quebre a cara de vocês?”, “Ih, olha lá, o menininho da mamãe tá nervoso! Pede uma chupeta pra mamãe, bebezão!”. Não, chega! Chega de humilhações, não seria mais controlado por aquela vaca, aquela puta que o deixava dormindo trancado em casa para ir se encontrar com metade da população masculina da quebrada. Mas o que iria fazer sem mamãe? “Se essa desgraçada ao menos tivesse parentes na cidade... Mas ninguém sabe de onde ela veio!”.

De todas as escolhas possíveis, como tentar virar flanelinha (as ruas já estão tão lotadas), vender chicletes no farol, trabalhar no lava - rápido do seu Jerônimo (gambé aposentado safado que paga uma mixaria e rouba a água de um manancial a partir de um poço na casa do vizinho), no sacolão da Dona Jurema ou quem sabe de engraxate em Santo Amaro, acabou escolhendo a mais perigosa e rentável, tinha lá suas vantagens, não seria mais humilhado, ganharia bem, seria respeitado na quebrada, foi trabalhar na boca. No fundo, no fundo, até que era um trabalho tranqüilo. Existiam muitas bocas na quebrada, e a boca da viela da rua de trás até que era pequena, como já foi dito. Quando muito, tinha que sair correndo da polícia, afinal a corporação é grande e nem todo gambé faz parte do acerto. Mas, em três anos de bocada, somente um de seus companheiros de trampo foi preso e também só três morreram em confronto com a polícia ou outros bandidos. E só um morador dançou por caguetagem. De resto foi sempre a maior paz. Era uma boca de rentabilidade média entre tantas maiores, não oferecia tanto interesse, nem pra polícia nem para outros traficas. Então ele ficava lá, de boa, fumando, cheirando, bebendo, xavecando as meninas, de noite pegava um buso e caia pro baile, depois voltava a pé com a molecada, dormia três horas mal dormidas no barraco antes de ir trampar de novo. Às vezes tomava um enquadro na rua, outras se envolvia em alguma briga (se alguém lembrasse da sua mãe, apanhava até sangrar), mas até que para um trafica ele tinha uma vida suave. Até ele conhecer a Lurdinha.

“Como pode alguém se apaixonar por uma menina que é o terror do baile funk?”, Ticiano sempre se perguntava. Lurdinha era um estouro. De calça baixa e apertada, umbigo de fora, ou então de micro saia branca e blusinha sem sutiã da mesma cor, rebolava até o chão com suas formas perfeitas enquanto os pais rezavam desesperadamente em casa. Perdeu a virgindade aos treze e aos quinze já tinha conhecido seguramente a cama de uma dezena de homens, ou quase homens. Beijar, então, tinha beijado metade do Capão. “O que eu fiz ou deixei de fazer não te interessa, Ticiano, a vida é minha, o corpo é meu, eu faço o que eu quero. O que importa é que desde que a gente tá namorando eu to só com você e nada mais, por que eu sô assim, tá ligado?”. Não, Ticiano não estava ligado. Por que ela, por que logo ela? Aonde ele estava com a cabeça quando pediu a menina em namoro? Tudo bem, era linda demais, gostosa demais, divertida demais, mas era uma piranha! Gostava de conversar com ela, gostava de passar as noites com ela, gostava de fumar um baseado com ela, transar com ela era uma experiência de outro mundo, mas era uma piranha! Ainda assim, não conseguia tirar a morena da cabeça, não conseguia terminar o namoro que o angustiava, não conseguia se livrar do medo de ser traído, achava impossível que uma menina com aquele “passado” conseguisse ser fiel. Mas o pior é que o namoro se desenrolava e, apesar do jeito todo gracioso que Lurdinha tinha com os homens, nunca houve indício forte que confirmassem os medos do jovem traficante. Tudo indicava que ela sempre lhe foi fiel, mas quem há de saber? Só sabemos mesmo é que no fim das contas Ticiano, definitivamente, não foi fiel.

sábado, março 22, 2008

Curto # 88

Triste fim do poeta ordinário:
O que lhe rende a poesia
não lhe compra um dicionário!

Trombada no passeio

- Desculpe, transeunte,
esse riso no meu semblante...
Trago a felicidade do mundo
no meu caminhar elegante...

- Leva daqui o teu mundo de pressa,
não te aborreças com a contramão!

- Sê tolerante com minha ilusão!
Esqueça a minha falta de modéstia,
só estou contente...

- Rufião!

- Dobra a esquina, seu mofina!
- Não seja tão pouco urbano!
(Meu passo está leve, meu coração vai cigano...)

Doutra feita te ensino o segredo.

Saiba, por hora, isso que sei:

- Esta lenta desfaçatez
delirante
vale mais que a rigidez ofegante
da tua busca agitada:

Se meu passo não movimenta a economia,
ao menos não fere a calçada...

sexta-feira, março 21, 2008

Mais coração, menos engrenagem

Vá a uma biblioteca, escolha um livro, abra-o e deixe na página escolhida uma mensagem para qualquer destinatário. Num elevador cheio, às 10 da manhã, entre e diga "boa noite". No corredor do shopping, puxe sua(seu) namorada(o) pelo braço e beije-a(o) como se aquele fosse seu último gesto em vida. Mande cartas a seus amigos com textos cifrados, com códigos próprios. Machuque troncos de árvores com a ponta da chave. Surpreenda pessoas queridas com mimos inesperados. Use a tecnologia a seu favor: dispare torpedos SMS em tardes ensolaradas, em plena semana. Aproveite a calmaria do domingo e sente no meio da avenida mais movimentada de sua cidade; se possível, leve alguém junto. Lave a louça e suje o nariz de quem você ama com espuma. Compre cartões postais, escreva e envie como se realmente estivesse naquele país, naquela cidade. Peça sobremesas difíceis de fazer para sua mãe. Distribua panfletos incompreensíveis em semáforos, praças e vagões de trem. Entre fantasiado em uma igreja. Construa uma casa-da-árvore. Compre uma bolinha amarela e brinque com cachorros de rua. Pratique o Terrorismo Poético. Todos os seres, humanos ou não, precisam ser tirados dos trilhos. Ainda que seja por poucos - e únicos - segundos.

quinta-feira, março 20, 2008

Curto # 17 - Deletério passeio no teleférico

Por um momento
acho que surtei,
não tinha com quem falar:
me liguei...

terça-feira, março 18, 2008

De uma catraca a outra #6 - Faixa amarela

Sol ardente: óculos de sol
caminhar? não dá
de tenis e tudo, o asfalto vence
e a sola do pé a pelar

gotículas, num veio
suor escorrendo pela jovem costeleta
fuga pela catraca

momento de frescor
não pela sombra
nem pela brisa da chegada do trem.

...

antes da faixa amarela, um laço amarelo
prendendo os encaracolados negros
da morena que o fez esquecer do calor

Sapatos-status

.
Calço meu novo par de sapatos.

Engraxados chocolate,
são um mimo precioso:
guardam o homem que virei
em cada honesto passo.

Levo ele às horas
dos meus passos,
estou satisfeito,
me sinto homem feito e me faço!

Eles andam imponentes, quase me deixam de lado...
Assim mesmo me sinto orgulhoso
e ganho a rua com vigor,
essa rua que me anda devagar nem me nota com meus passos cheios de humor largo...

Para mim, que nunca usei sapatos,
- Agora todo chão é novo!

Me sento, enrolo o tabaco,
e vem o menino-engraxate,
ele também chocolate,
pedindo pra engraxar,
o seu olhar abate
meu bom-humor peculiar...

é noite alta

e
(eu)
sem
graça
digo não:

- Essa ofegante ilusão, eu já vou descalçar......

(Eu existia tão feliz dentro dos meus sapatos, que nem notei o mundo!)

vem o menino me lembrar,
com o olho faminto, que está cansado...
e o pedido é só para despistar
a barriga que tem fome
com a ilusão de ter sapatos
para engraxar...

Olho bem no olho do menino chocolate,
e já que um troco vale um pão:
- Leva a moeda menino,
deixa os sapatos no chão!

sexta-feira, março 14, 2008

Se me perguntam, é concreta?

a

É,

Mas NÃO é

a

E se me perguntam, tem métrica?

aa

iiiiiTem,

MAS não TEM.

i

não TEM, NÃO tem,

e não tento,

eu intento!

eu atento,

e eu tento

Mas nâo tem(to)!

i

Então me perguntam, por quê?

i

iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiPorque

i

iiiiSou,

Mas não sou.

i

Poesia é música,

Sou músico, musico.

Poesia irrita

Sou chato, irrito

Poesia é brinco,

E eu brinco com ela

Ou talvez seja um trinco

Mas nunca uma tranca

Poesia tem ri

_________it

__________mo

E eu dan______la

IIIIIIIIIçoiiiiiiiie

iiiiiiiiiiiiiiiiiicom

Poesia m

iiiiiiiiiiiia

iiiiiiiiiiiig

iiiiiiiiiiiir

iiiiiiiiiiiie

iiiiiiiiiiiil

iiiiiiiiiiiia

GORDUCHA ou ban_____gue___la

i

te amo, poesia!

te odeio, poesia!

me odeia, poesia!

me ama, poesia!

derrama, poesia!

de rima, poesia!

declama, poesia!

que clama, poesia!

reclama, poesia!

exclama, poesia

i

iiique é

mas não é

i

iinunca

iiiifoi

i

nem tão pouco será

(assim como o ser

iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiihumano não é)

ii

iiiiiiiiiiEntão

A/Pra que(m) serve

Essa porra de

iiiiiiiPoesia?

iii

iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinão serve

iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiia nada

iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiinem a

iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiininguém

terça-feira, março 11, 2008

De uma catraca a outra #5 - Bancos de cor cinza

Um motivo de muita dúvida para Simone são os bancos de cor cinza nos vagões. Ela sabe de uma coisa - os desenhos da placa são muito legais - todos daqueles bonecos das placas de banheiro:
1) um bem velhinho, com dor nas costas, de bengala
2) um que quebrou o pé e usa muletas
3) uma grávida
4) e uma com um bonequinho bebê no colo

Simone ia pra escola de metrô desde os 11 anos, acompanhada do irmão mais velho, 14. Foi num desses dias, de volta pra casa, que começaram algumas dúvidas - as crianças de colo:
- Por quê a senhora acha que pode se sentar aqui? O aviso diz criança DE colo, e não criança NO colo. Seu filho pode andar muito bem. - desafiou uma moça.
- ... - a senhora um tanto intimidada, colocou a criança no chão, que já cansada do dia, sentou-se em cima dos pés da mãe.
- Pode sentar aqui senhora. Vou descer logo. - levantou-se outra pessoa.
- Obrigada.

Concluiu que o português afinal tinha de ser bem falado pra não haver confusões como essa, e começou a gostar de estudar português pra ser melhor compreendida. Tempos depois, por experiência, viu que quando a situação é denunciada, sempre há a solução, mas quando não há uma palavra sobre o assunto, o silêncio coletivo escondia a cor cinza do banco.

Hoje, com 12 anos, fica dividida nas opiniões. Sua mãe sempre dissera pra se levantar caso visse pessoas numa das condições da placa, independente da cor do banco em que estivesse sentada. Mas sempre ouvia um grupo chegar e não sentar no banco de cor cinza, ou então falarem pro que se sentava: 'É seu banco mesmo. Tá velho já.'. Mas - '...mas esses bancos não são pra pessoas velhas.' - reflexionava.

Na viagem o mesmo anúncio:
- Os acentos de cor cinza são de uso preferencial. Respeite esse direito.

Se era preferencial, não era exclusivo, pronto, estava tudo esclarecido. Alívio. Espanto mesmo foi quando desrespeitaram o banco na maior cara de pau:
- Minha senhora, a senhora já é uma aposentada, o que faz esse horário no Metrô?
- Eu ainda trabalho. - respondeu a senhora.
- Eu também. - respondeu cedendo o lugar.

Nas demais vezes, ao menos havia o: fingir-durmindo. Se irritava com isso, e às vezes dava pequenos pontapés como se desequilibrasse no trem:
- Desculpa moço.
- [cara fechada misturada a cara de pseudo-sono]
- [olhar desviado para o alto]
- ...
- Não é educação goela abaixo, é o mínimo de respeito pelo outro - algo tão difícil assim, se colocar na situação de outra pessoa? Por quê não ensinam isso na escola? - perguntava a si mesma.

Sete Sonetos

III - terça-feira

se sua pele é feita da terra mais úmida
na qual plantei delicadamente minha semente
se seu sorriso assimétrico exala perfeição
como pode me fazer um pedido tão injusto?

como posso não sentir dentro de mim o ciúme
se todos os dias vejo pescoços se quebrarem por sua cintura?
se todos os dias vejo olhos impuros saltando das órbitas de desejo?
desejam suas ancas, imaginam seus seios, com desespero de homens virgens

tudo que posso é sofrer calado, mas nunca não sofrer
tudo o que quero, não posso. o pouco que posso, não quero.
e para onde olho a vejo, ajeitando irritada o lençol da cama.

mas se não pode evitar que sua beleza (n)os inflame
então por favor, ao menos esconde esse teu ventre raso!
Onde me escondi e aqueci em tantas madrugadas frias.

Sete Sonetos

II - segunda-feira

foi você quem libertou minha poesia
foi você quem libertou minha língua
foi sua languidez que me desinibiu:
seu sorriso de mármore foi minha recompensa

mas será seu coração também de mármore?
quer matar minha poesia, agora que está liberta
quer deixar minha alma fria, agora que está coberta
quer levar do meu paladar a mais doce nectarina

hoje observei seu corpo, de canto de olho,
recolhendo nossos pedaços pelos cantos da casa:
buscava a inspiração da qual serei privado

mas a tela me sorriu em branco por horas a fio
e agora, os olhos caindo, encaro o relógio, espantado
já passou da meia noite. o poema está atrasado.

domingo, março 09, 2008

Sete Sonetos

I – domingo

flor do asfalto, ainda é madrugada
nossa semana começa na cama
não sabe se me odeia ou se me ama
mas troca o pijama pela camisola rosa

como os lábios rosados, umedecidos
deixa escapar um seio, leve e macio
o mamilo-madeira que não mereço
umedeço, desço culpado, me desculpo
______________________________ajoelhado]

envergonhado, agradeço suas coxas
apelo aos seus pelos, imploro perdão!
não mereço seu gosto, mas o sinto

e me ressinto pelo meu comportamento vulgar
quando suspira e me arranha as costas, entristeço
pois não sou digno de te ouvir suspirar.

quinta-feira, março 06, 2008

Sozinho na enorme sala, tocava desolado em frente ao piano. A família falida e morta. A mulher que o abandonara. Os amigos o abandonaram. A alegria fingida quinzenalmente em frente aos filhos, a falta de ânimo de viajar para ver os pequenos. Sobrara apenas aquela velha casa, quase uma mansão comparada a periferia que a cercava, aquela velha sala, cheia de quadros estranhos, de figuras místicas, budas, um ganesh, duas shivas (uma esculpida em bronze, outra enquadrada na parede) gatos, tigres e outros artesanatos de aspecto oriental, incensários, um suporte para violão preenchido com um belo exemplar do instrumento, móveis no estilo colonial, paisagens árcades, barrocas e um quadro pós moderno que um pintor amigo de sua mãe deu de presente a família. Uma bagunça estilística, sem sombra de dúvidas, mas uma bagunça harmoniosa, se acostumara com aquela balburdia, aquela poluição visual, aquele barulho imagético que a velha sala emanava. Tocava Ave Maria, adorava Schubert. Era agnóstico, mas aquela melodia o envenenava, o enchia de graça, sabia do poder entorpecente da música.

Adorava o poder entorpecente das coisas. Passava agora seus dias chapado de tudo o que podia ou tinha na hora. Bebia, fumava, cheirava, ingeria balas e doces, pegava o carro e saía sozinho de sua casa no sul da cidade rumando o interior, toda vez que chovia muito em um dia e no dia seguinte fazia sol. Ia colher cogumelos. Tomava poucos banhos, mas também não fedia muito, o que era impressionante levando em consideração a quantidade de toxinas que colocava para dentro de si. Alimentava-se de congelados fritos no geral. Nuggets, hambúrgueres, quibes e outras iguarias. Abandonado pelos amigos, pela mulher, pela vida, pela morte, colecionava pequenas enfermidades, nada grave o suficiente para livrá-lo do fardo da existência. Fumava um cigarro atrás do outro, intercalado com baseados gigantes, com sorte recheados com haxixe, torrando a pequena quantia que adquiriu vendendo as máquinas da empresa do pai, depois enchia a pança de bobagens e coca-cola e saia sozinho, observando as pessoas, criando em sua cabeça melodias tristes de nomes esdrúxulos. Sinfonia do Raimundo Cansado. Sonata da Mal-Comida. Concerto nº33 para o Zé Povinho. Voltava para casa e anotava tudo em suas partituras envelhecidas, amarelas, anacrônicas. Comprara centenas delas, anos atrás, quando Marília o abandonou. Tinha horror ao computador. Não se importava com as dívidas, esperava feliz, fritando na mesa do bar, que tudo caducasse. “Um dia a dívida prescreve”, pensava prático.

Às vezes ouvia rock. Outras vezes ouvia samba. Sempre intercalava com os clássicos. Dormia pouco, mas quando dormia, ouvia Chopin. Sabia que era clichê, mas o que podia fazer? Funcionava. Nas inúmeras noites que não dormia, compunha em quantidades torrenciais, e suas composições eram explosivas. Seu piano era inconstante, por vezes nervoso, por vezes alegre, outras triste, outras pesado, outras sexy, era um piano bi, tri, tetra, multipolar, como ele era. Com muito esforço e ajuda de um pessoal amigo do meio, conseguiu lançar um CD, mas é claro que a crítica odiou e o resto do universo ignorou. Sua música era explosiva, mas não o suficiente. Resolveu fazer explosivos de verdade.

***

Pensou em explodir diversos lugares, o palácio do governo, a Daslu, o Terraço Itália, o hotel Fasano, o Centro Empresarial, mas não conseguia passar das pequenas detonações de teste no seu quintal. Tinha medo, muito medo. Era fraco. Muito fraco. Tinha rancor, é verdade, mas não queria machucar pessoas. Ainda assim, precisava fazer algo.

***

No dia em que o jovem músico se desmanchava em chamas e gritos de dor na Praça da República, dona Regina levava sua neta para passear. A pequena nascera na metrópole, mas foi muito cedo para o interior com sua mãe e seu irmão mais novo. Deixaram na cidade o pai, músico problemático, “tão idealista quanto vagabundo”, de acordo com as ainda incompreensíveis palavras da mãe. Estavam muito próximas quando o homem banhado em gasolina ascendeu o pano que surgia de dentro da garrafa de coquetel molotov e jogou para cima, em uma vertical perfeita, deixando-a cair sobre a própria cabeça, produzindo um belo e melancólico espetáculo pirotécnico. A pequena Sofia olhou assustada para a cena e, vendo um pequeno piano de brinquedo ao lado do homem, perigosamente próximo ao fogo, a madeira suando devido ao calor, pensou que o sujeito podia ser o pai dela. Questionada, sua avó descartou rapidamente a hipótese, mas agarrou o terço com força e desespero com a mão esquerda enquanto a mão direita, liberta da mão da neta, procurava afoita o celular na bolsa antiquada. Sofia chorava que soluçava, porém extremamente contida, revelando sua extrema educação até nos momentos de pânico. E a avó, após discar finalmente o número certo, o celular tremendo encostado na cabeça, pensava: “Atende, Marília, atende logo essa droga...”.

terça-feira, março 04, 2008

Estesia

Aponta-dor
a agulha afiada espirra aquarelas
em meus glóbulos brancos

Dentro de mim
xilogravuras japonesas
pois sou de carne e madeira.

De uma catraca a outra #4 - Punk rock, asfalto e nascer do sol - um belo jeito de começar uma manhã.

Não diferente de outros dias. Fones de ouvido estourando nos ouvidos, metrô - o caminho da escola. Ter 16 em São Paulo é poder ver o sol nascer de cima do viaduto, entre prédios - o sol realmente nasce pra todos, filhos do concreto ou da terra - e nem assim deixa de ser um espetáculo.

Estudar e trabalhar, duas coisas que não fazem sentido, a primeira só é usada em provas que não provam nada, a segunda é a escravidão paga em parcelas, não para um senhor mercador, mas ao próprio escravo...incoerências - e ser incoerente é ser adulto. Por exemplo: não há porquê correr na cidade, 6 minutos de atraso não serão ganhos com uma corrida que adiantará 33 segundos. Ah sim, há o teatro matinal: 'atrasei por causa do metrô' [respiração ofegante], 'tava muito ruim chegar aqui hoje' [limpando gota de suor na testa]. Que seja pra contracenar, mas não pra recuperar atraso:

- Bom dia D. Lurdes!
- Atrasado também!?
- [sim com a cabeça]
- Vão tomar falta.
- [de ombros]

O lugar de todos atrasados é a cantina, o que nos dá 2 recreios...ok, colegial - ensino médio, o que nos dá 2 intervalos por dia.

- Todo mundo pra sala! - é o chamado-autorização da Raquel, coordenadora do colégio.

Na sala:
- E ae?
- Beleza?
- Metrô tava zuado hoje.
- Que porra.
- Já ouviram Ramones?
- Só uma música ou outra.
- Tô com um cd deles, ao vivo!
- Da hora!
- Tô ouvindo esses dias no metrô.
- Conheço umas músicas. Tô só no Millencolin agora.
- Orra! Gabba gabba hey! Gabba gabba hey!
- Hahahaha!
- Destrói muito mais que o: Hey! ho! Let´s Go!

A volta não é diferente se você estuda até o período da tarde. Metrô lotado, o que salva é o Ramones no vagão: air-guitar, air-bass, air-drums - banda de um homem só, diversas bandas de bons rapazaes e garotas sós, palcos em cada pedaço de borracha preta do vagão, micro-espaços de subversão, punk rock da garagem pros trilhos. Um grito balbuciado, os pés contra o chão, e a cabeça acompanhando bateria, guitarra e baixo - nosso caminho de iluminação diária, de fuga da incoerente adultice.

segunda-feira, março 03, 2008

Retroflexo

O espelho me xereta.
Estou quase lá, replico,
quase nos trinta,
quase nos "trinques".
Garçon, mais uma dose de Martini,
por favor (mas o show é lá na rua).
Desloucar o tempo é comigo,
ou foi um dia. Hoje ouço
"and I wanna fall from the stars
straight into your arms"
e quase choro
...quase choro
...tic tac
...tic tac
...soluça o relógio da cozinha
...enquanto pico as cebolas.

Não posso mentir às tulipas (acho que você vai entender)

.
.
O passarinho de olhos escuros
encheu o peito de vaidades, quando descoberto.
(Pensa às vezes em achar o futuro
nos olhos claros de um mundo incerto.)

Olha-me o olho sem me ter visto o rosto,
Canta minha boca esse pássaro vaidoso...

- Farfalha as asas, pássaro, eriça as penas!

- Observa meu jardim de tulipas e deixa meu jardim de tulipas!...

Ele é, com a perfeição do que existe,
um jardim de tulipas lúcido.
E lúcido que é,
ele é distante de toda a vaidade
(a vaidade não é lúcida).

Portanto, deixa...

Leva teu canto pra longe do meu jardim de tulipas.
Tua sombra sobre ele é leviana, !

E eu, jardineiro sincero,
Não posso oferecer uma flor
para teus olhos de pássaro,
ela se transformaria em vaidade...

(e a vaidade não é lúcida.)

domingo, março 02, 2008

hoje, cada verso meu é

como uma lágrima

que é como uma lâmina

que vai caindo e cortando

e caindo e cortando e se avermelhando

e tingindo o chão

-

hoje, cada verso meu é uma lástima,

em todos os sentidos:

versos que lastimam,

versos lastimáveis

-

hoje, cada verso meu é cinza como a própria tristeza,

triste como o cinzeiro cinza cheio de agonia

-

hoje, cada verso meu é suicida

homicida

parricida

matricida

raticida

venenoso

intravenoso

perigoso

-

hoje, cada verso meu é um pedido de perdão

uma acusação

um condenado que implora

por clemência

uma urgência

-

um atestado de

demência

----------------------uma ausência

cada verso meu é uma ausência

-----------------i----iuma ausência

---------------------------------que dói

---------------------------------na alma

-

hoje, cada verso meu é mais do que solidão:

------------é solidão refinada, branca, doce e maléfica


-

hoje, cada verso meu é desespero

-------------------------iiié desesperança.