segunda-feira, janeiro 23, 2006

Post inaugural

Entro para o blog com ansiedade de lançar minhas palavras ao vento virtual e com receio de não permanecer à altura dos outros escritores com quem compartilho este espaço. Membros estes que estimo horrores e maravilhas. Que prossigamos na eterna luta deliciosa de ver poesia no caos. Para post inaugural, deixo meu texto-carta, dedicado à todos os seres humanos.

Carta

Espero que o seu sorriso de satisfação de quem vai de braços abertos ao que afirma novo e inesperado E suas expectativas invisivelmente estampadas na consciência Sejam surpreendidos por diferenças e novidades jamais refletidas

Espero que este impacto lhe faça pender para o lado evolutivo da moeda Que esta transição faça tremer o seu chão Que tais novidades "subversivas" não apenas transcendam seus valores como derrubem os muros que limitam o avanço de seus raciocínios Que quebre preconceitos e tabus que havia incorporado anteriormente

Espero...

Não que se transforme em um completo niilista Mas que não mantenha trancadas as portas para universos diferentes Que após ser abalado pelo choque de diferenças Reerga-se ainda mais forte Utilizando a força inerente à sua cultura e,principalmente, agregando valores de outros Valores que, não necessariamente se tornem os seus princípios, mas que lhe ensinem a olhar através da ótica alheia

Espero que reconstrua o seu chão Sob os escombros dos seus ideais conservadores destroçados pelo impacto da experiência pela mente aberta que permitiu enxergar novos horizontes Espero que volte fortalecido assim Espero que não evolua apenas a sua bagagem cultural como também a moral Espero com tanta sinceridade e intensidade quanto espero que isso ocorra comigo a cada segundo que respiro.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Era um cara normal. Um garoto normal. Vivia entre a casa, os “rolês” e a escola. Gostava de rock, tinha uma turminha de amigos. Fumavam maconha e bebiam pinga com coca-cola quando cabulavam aulas para jogar Winning Eleven. Jogava uma bola no domingo. Era tímido, ficava com menos garotas do que seus amigos, mas conseguia as melhores. Ou ao menos acreditava nisso. Acreditava também que não era bonito nem feio, e se sentia quase feliz com isso. Aluno regular, filho regular, pessoa regular. Tinha algumas idéias na cabeça, mas preferia abafá-las. Idéia polêmicas. Mas era melhor mesmo abafá-las. Cresceu, como todo mundo cresce, aos poucos, sem perceber, e continuava basicamente o mesmo, tirando algumas poucas mudanças. Já não cabulava as aulas, dessa vez da faculdade, para beber pinga e jogar videogame. Agora ficava no bar com a turma tomando cerveja. Mudanças na superfície, essência mantida.

Mas um dia, algo se quebrou. Sei, caro leitor, que isso soa meio clichê, mas a vida é assim mesmo. Algo se quebrou. Além disso, toda idéia é clichê, se analisada friamente. Ou, como disse o poeta ao carteiro, até a idéia mais genial, se repetida muitas vezes, soa idiota.

Como ia dizendo, algo se quebrou. Alguma coisa no coração daquele rapaz, na alma, na mente, sei lá, alguma coisa que mudou repentinamente, sem se fazer perceber, que lhe trouxe um desconforto que era antes desconhecido ou muito bem abafado. Sentia que algo estava tremendamente errado. Com ele. Com o mundo. Algo muito, muito estranho. Como eu disse antes, já tinha em sua cabeça algumas idéias, discordava do mundo em alguns pontos, mas no geral tinham um relacionamento bom. Mas, naquele dia, sentado em sua cama, ouvindo Pink Floyd e fumando um baseado, algo mudou em sua essência. Era assim que se sentia. Modificado. Era estranho, muito estranho. Não sabia se era bom ou ruim. Misturavam-se nele picos de amor e ódio ao mundo que o cercava. Sentia um misto de desprezo e paixão por toda a humanidade. Um misto de paixão e desprezo por si próprio. Pensava em si como algo estranho, externo, como se não tivesse pertencido a si mesmo até aquele momento. Não reconhecia mais seus gostos, suas opiniões, seus atos como seus. Era uma nova forma de percepção. Sentia-se dentro e fora de si, dentro e fora do mundo, sentia o paradoxo lhe invadindo as entranhas como um câncer impiedoso. Idéias estranhas partiam de seu coração rumo à sua cabeça como trepadeiras velozes que escalam um muro alto. Idéias conflitantes, deliciosamente paradoxais. Era realmente estranho. Não via sentido em nada e isso se tornara o verdadeiro sentido das coisas. Sentiu-se livre, porque finalmente sabia-se preso, não em um, mas em vários arcabouços. Mas tinha medo de tal liberdade. Suava frio, pensava em como administrar tantas mudanças tão repentinas. Pensou, pensou, pensou. Pensou mais um pouco. A cabeça já doendo e nenhuma solução à vista. Pensou mais um pouco, mais um pouco. Pensou tanto que cansou. Realmente não sabia o que fazer com aquele sentimento tão estranho.

Foi então que apagou o baseado, desligou o rádio e ligou a tv pra ver se passava.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Sobre o poeta

Em meus poemas cada palavra é um parto,
partindo em pedaços o meu coração.

E os meus diversos versos
nem são tão controversos!
ocupam na folha o verso
e acabam sendo o inverso
do que eram para ser

Minha cabeça está constipada
É preciso drena-la
Não sei o que fazer

Não escrevo porque gosto
ou porque acho que sou bom nisso;
Escrevo porque preciso escrever.

Sim, é verdade:
Eu não sei fazer poesia.

Mas eu tento.

Saudades de Madalena

Marinete hoje está diferente:
seus olhos transbordam saudades.
Deitada sob o sol,
a cabeça apoiada sobre as patas cruzadas,
Marinete pensa desesperadamente em Madalena.

Brigaram muitas vezes, é verdade;
Trocavam rosnadas e patadas o dia inteiro
Mas todos sabem que à noite,
longe de olhos humanos e enxeridos,
dormiam entrelaçadas como duas amantes.

Afinal, todo amigo é um amante.

Madalena foi viver em um lugar melhor, também é verdade,
mas nada disso consola
E agora, Marinete olha triste para a tigela laranja
perguntando-se qual a razão de tanta ração.


Ps : Este poema é dedicado ao Douglas e a todos os outros amigos de verdade, presentes ou ausentes. Não é preciso citar todos os nomes, quem é sabe que é.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Procuro o sono com um soneto
encontro apenas a folha em branco
folha molhada pelo meu pranto
que cai dançando um minueto

Queria mesmo escrever panfleto
onde seria deveras franco
confessaria como me espanto
quando esperto espeto o espeto

dentro do peito, com muito jeito,
bem devagar, pra não machucar,
com muito carinho e muito zelo

Espeto apenas para me lembrar
que apesar de tanto novelo
algo ainda bate dentro do peito.
Quem se importa com os índios de Chiapas?
Quem se importa com a miséria dos povos africanos?
Quem se importa com os Guaranis-Kaiowas?
Quem se importa com as pessoas das favelas?
Quem é que liga para os mineiros norte-americanos soterrados?
Quem é que perde seu tempo pensando porque não há terra para os sem-terra?
Quem perde o apetite com a greve de fome de um sem-teto?
Quem se importa com os cocaleiros, com os cocainômanos?
Qual é o problema de beber coca-cola?
Quem se importa com os presídios superlotados?
Quem se importa com a repressão policial?
Quem se preocupa com os direitos dos animais?
Quem se incomoda com o desastre ambiental?
Quem é que tem saco para malabarismo no transito?
Porque perder tanto tempo pensando na ocupação do Iraque?
Porque se importar com um palestino?
(Todo palestino é um terrorista em potencial)
Quem liga para a mercantilização do ensino?
Aliás, quem é tão burro de acreditar no movimento estudantil?
Quem liga para os tchetchenos, para os bascos, para os curdos?
Quem se importa com gays, lésbicas e travestis?
Quem gosta de hippies, comunistas, socialistas ou anarquistas?
Alguém dá a mínima para o sindicato?
Quem lê um escritor barato?
Quem se importa com uma porra de uma pomba cega e perneta?