quarta-feira, fevereiro 27, 2008

A bomba A

nada mais é

do que um átomo irritado.

Cachorro preso em sala pequena

desde filhote, comendo carne com

sangue, pólvora e cacos de vidro,

treinado para morder.

Sou esse cão solitário.

Samurai que treina em silêncio.

Nada-dor enrugado de tanto nada-r.

Sou urânio enrique-sendo.

-

Agora sou pequeno – atômico!

Mas – como câncer! - ainda vou expandir.

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Sem Baseado em fatos reais - Parte II

- Como estamos?

- Ai, cara, vou dizer que tô pior que ontem...

- Sério? ... Motivos?

- To mó triste, cara. Com a vida. Com o trampo. E receio acabar trazendo isso pra música também...

- Foda. Ontem eu estava cagando e me perguntando o tamanho da porra do meu vazio... Fiquei doente, voltei pra casa às três... Não tem nada mais triste que ficar doente morando sozinho... É a pior parte de morar sozinho... Aí adivinha quem aparece nessas horas, trazendo remédio e comida pra mim? Ela... ela foi embora e fiquei pensando: mas que puta que pariu!!!

- É, mó bosta... Cara...eu to tão infeliz, mas tão infeliz... Que tenho até medo de fazer besteira

- Cara... Não é por aí... Não podemos nos entregar... Melhorei muito... Tive uma crise parecida com a sua e me afundei mesmo... Mas a música, a poesia, literatura, amigos, comida... Tem coisas muito boas... Não dá pra ficar sem... É um processo normal, com 23 anos a gente estar sentindo isso... E acho que esse vazio tende a aumentar.

- Nem me fala uma coisa dessas! Eu não faço besteira porque não sou egoísta!

- A gente tá virando homem de verdade... É um processo de dor absurdo... Vou te mandar um texto sobre isso...

- Eu quero!

"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome."

- Acredito muito nisso...

- Nossa, eu também!

- Cara, tudo isso vai resultar em algo muito bom no futuro... Uma relação foda e sincera com alguém, um trabalho que lhe dê prazer... Sei lá... Eu acredito que esse sofrimento todo tem propósito.

- Espero muito que sim... Acredito que sim... Mas aí entro num paradigma: Não sei se quero dez anos de glória por cinquenta de inferno na terra.

- Inferno não é exagero? Eu acho que temos uma vida muito boa, na verdade, cara. A questão é que o ser humano é intrinsicamente triste... Todo mundo tem um vazio absurdo... Algumas pessoas, não é nosso caso, maquiam isso com religião ou outras fantasias... Nós tentamos maquiar com música, drogas, amores, amigos... Mas no fim é tudo inútil... O vazio permanece lá... É foda mesmo.

- Então!!!! Aí volta pro meu pensamento! Somos masoquistas!? Pra que?

- Mas o que seria de nós sem essas inutilidades?

- Exatamente! Porque temos que ser algo? E se elas são inutilidades, são inuteis! Não são necessárias! Se não somos... E se não precisamos de nada... Não existe razão para existirmos!

- Nossa, você chegou no ponto culminante... Precisamos conversar isso num bar... Tá ficando bom

- Ou será que elas são necessárias para não nos sentirmos inúteis... É tipo criar o belo e o feio... Um não existiria sem o outro

- Acho que não tem razão nenhuma mesmo... Mas eu não abriria mão de alguns prazeres... Eles são inúteis, mas porque as coisas tem que fazer sentido? Vivemos numa sociedade babaca que quer colocar esse sentido pra maquiar o vazio: seja um profissional competente, pegue as minas mais gatas, tenha o carro da moda, seja bonitão... É um artifício pra esquecer o quanto a vida é sem sentido... Se vc entra nessa se fode... A vida vira uma competição... Prefiro ficar na minha, ler meus livros, escutar minhas músicas, beber com meus amigos e construir relações verdadeiras com as mulheres que realmente me interessam... Sem pose... Sem esperar nada...

- Você tem razão. Eu ainda me sinto muito preso à muita coisa... Estou aprendendo agora a me desprender.

- Sair dela totalmente é impossível... Só virando budista e encontrando a iluminação... Mas podemos viver, sim, alheios a ela... Não preciso ser um profissional renomado... Quero dinheiro para viver e fazer as coisas que gosto, só isso.

- Exato... E as coisas que gosta sempre custam muito. Um piano é caríssimo.

- Ahahahah... é uma merda!

- Essa conversa que acabamos de ter, por exemplo... Olha como já conseguimos sair... Tem gente que vive como sonâmbulo... Somos privilegiados!!

- Por exemplo, né! Vamos beber amanhã?

Sem baseado em fatos reais - Parte I

- Você está melhor hoje?

- Não, cara. To até com dor no peito. To até pior que ontem

- Ai, meudeusdocéu...Vai ficar tudo bem, vai passar, cara... Força

- Eu tenho força, mas continuo triste. Não é possível que não exista uma saída para o trabalho

- Essas coisas são assim mesmo, é foda...

- Então porque a gente continua querendo viver isso? O ser humano é masoquista. Eu não sou nem um pouco. Aí tem uns caras que se suicidam... E dizem que eles é que gostam de sofrer, de doer. O que é toda essa dor? ...O que é a verdadeira tortura? E então eu chego à conclusão que o ser humano realmente é masoquista. Porque inventaram a religião para terem medo...Que é outra dor. Porque não o fazem por causa dos outros, e não por sua própria causa. E eu sou como eles... Como nós

De uma catraca a outra #3 - Eta vida de gado essa!

Existem amizades instantâneas, amizades do tipo fast-food, miojo. Aqueles comentários sobre o tempo, ou:

- Nossa, como melhorou a segurança no Metrô!
- Mas os empurrões não mudaram em nada.
- Agora não assaltam mais.
- Colocaram cerca de gado em umas estações.
- Quero ver assaltarem!

Na verdade é como se fossem diversos monólogos, não há a amizade propriamente sentida. Mas somos bem-humorados, rimos pro corre-corre qdo as plataformas estão abarrotadas e pro estouro da manada por um lugar pra se sentar.

- ôa, ô, ôw. Sem empurrar, sem empurrar.
- ...cuidado aí, cuidado minha gente, cuidado com minha pasta de dente!
- Hahaha!

E isso consegue nos tirar dos trilhos por alguns segundos, nem todos. A graça na tragédia, mas só é tragédia pra quem enxerga tragédia, pra quem não vê, é mais uma continuação da comédia.

Civilizar, civilizar até começar a retroceder. Processo decivilizatório?
- Galera tá apressada hoje.
- Todo dia é assim.

As variáveis pro erro são muitas:
1) governo - que não expande o metrô como deveria
2) metroviários - que não precisam fazer greves
3) poupulação - que não reclama seus direitos, e se comporta como gado

E isso é São Paulo também: voltar pra casa e assistir novela depois da janta.

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Curto # 77 (ressabiado)

Dos fundos do universo,
um olho
olha-me profundo:
Um de meus inimigos fez as pazes com o mundo...

Depois de agora


A chuva já recomeça:
e o sol ainda resta em frestas
(como o significado da palavra solidão).

O tempo mente o relógio.
Quanto tempo leva?
(uma tristeza para se libertar)

O tic-tac sem pressa...
Uma beleza leva quanto?
(Tempo para germinar)

Quem vai responder,
mesmo que se engane,
saberá que o engano às vezes é bom.

Por dentro

o tempo não para enquanto
a minha roupa quara,
da janela pra dentro é

o mesmo (tempo.)

Temporal.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Não adianta

Não me olha assim
Com olhos seus
Exigindo uma explicação
Sobre algo que você criou

Pra depois vir
De véu rancor
Descontar uma invenção
Que não se sucedeu

Vem, pede pra mim
Desmentir um desacontecimento
Mas não fui eu

Tim tim por tim tim
Lhe remeto notícias de mim
Em vão

Não faz assim
Prometo dizer a verdade
Mas, pra você, a verdade só mente a verdade
Pra mim, nada mais que a verdade

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Pessoas de letras

É no estranho mundo das letras
que vivem as pessoas de letras.

Perigosamente letradas.

É lá que vive a mulher de letras.
Na minha cabeça ela(s?) vive(m)
----------------------(você)

***

Tuas linhas,
sobrepostas,
sobre-saltam-me,
assaltam-me
como saltimbancos
saltitantes.

E tuas palavras
(aonde estão escritas?)
dês pe da çam
---------------minhas
pa l a v r a s.

Tuas linhas me envolvem, tantas linhas, tanta lenhas
entre laçadas e, entre linhas,
todos esses pequenos poros que são teus imensos silêncios
(estou condenado a te imaginar eterna-mente?).

Sinto-me
inseto miúdo
preso na teia,
imaginando a face da aranha...

Estou aflito, quero interrogar minha raptora.
Quando ela chegará?
Será breve? Será bela? Será vida ou será morte?

(Quem poderá prever minha sorte?).

A aranha e o inseto,
de qualquer jeito,
estão sempre ligados pela teia.
Ligados pela estranheza
(palavra estranha).
Ligados pelo desconforto de se sentirem
seres abjetos.

-----------Não sabem da beleza de se ter olhos multifacetados.

-----------------------------A beleza da estranheza.

***


As estranhas pessoas de letras,
ligadas pelas palavras estranhas.
Ligadas pelas palavras-entranhas.

***

Tuas linhas vertem lágrimas.
Tuas veias vertem vinhas.


Quero um gole.
Tenho sede de sangue e sal.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

De uma catraca a outra #2 - Andar na cidade.

Não era a primeira vez que Marcos andava de Metrô com seu avô. Ele já o tinha levado ao zoológico uma vez, e ao médico outras duas. Essa era a terceira no médico, mas dessa vez o horário era de manhã - Vou poder brincar mais hoje! - Marcos já via seu carrinho preferido.

- Marcos, hoje vamos pegar o Metrô mais cheio.
- Por quê?
- Porque o pessoal tá indo pro trabalho.

O inevitável metrô lotado, até que ainda respeitam os mais velhos:
- Pode se sentar senhor.
- Obrigado, pode deixar, eu vou descer logo.
- De nada [sorriso]. Que menino lindo!
- Obrigado, é o Marcos, meu neto! - o vô é daqueles que odeia diminutivos, coisa pra meninas, dizia.
- Tá na escola?
- Tô sim. Tô com cinco anos.

Marcos só queria tentar surfar no vagão, sem se segurar, igual ao moço no meio da entrada que não alcança o apoio.
- Se segura Marcos, não vai querer cair aqui.
- Eu não vou cair vô.
- Eu não vou te segurar, nem te levantar.

Ordem entendida - segurar firme no corrimão.
- um...dois...três...hmmm. Faltam 3 estações pra Vergueiro vô.
- Isso mesmo! Não sai de perto de mim na hora de descer.

E não é que o avô sabia prever algumas coisas? Marcos olha pra um lado e pro outro: Cadê o vovô? - vê o vô 8 degraus acima na escada rolante:
- Me espera vô! Me espera!
- [aceno]

Muitas pessoas e alguns degraus acima:
- Calma vô, eu tava descendo do metrô.
- Na cidade tem que andar rápido Marcos.
- ...
- [sorriso]
- Tá!

Olhos arregalados pra tentar enxergar melhor o que o vô acabou de ensinar. Dois pensamentos depois, e o passo começou a apertar.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

[De uma catraca a outra #1] Bilheteria Blindada

Até onde o absurdo pode chegar, sob ou sobre a terra? Vou tentar descobrir nos próximos dias. Uma espécie de diário de Metrô. A rotina esconde brilhos pra desafiar nossa sensibilidade? Ou somos apenas gado sendo transportado pra um lugar no nascer do sol, e pra outro no pôr?

-----------

Na maior cidade-caos do Brasil há bilheterias do metrô que são blindadas - elas têm escrito em letras garrafais e itálicas: 'Bilheteria Blindada'. Colocaram um vidro a prova de balas e bocas onde só passam dinheiro e bilhetes, a comunicação com gestos foi restabelecida em são paulo!

Que eu me lembre foi após uns atentados do PCC onde alvejaram umas 3 bilheterias no mesmo dia, tudo aqui perto, na Zona Leste da cidade. Se foi isso ou não, devem ter se cansado de imprimir aqueles cartazes de denúncia - cartazes com fotos registradas pelas câmeras das bilheterias - que pareciam estar funcionando, de certa forma prenderam alguns assaltantes, pelo que anunciavam outros cartazes mais novos.

Nada melhor que confiar na segurança do Metrô. Alguns dekasseguis (descendentes de japoneses que foram trabalhar no Japão) dizem que anunciam, quando um brasileiro entra em algumas lojas. Repetem o famoso:
- Não facilite. Leve bolsas e sacolas junto ao corpo.

Com a entrada de brasileiros lá, e depois que aprenderam a usar o metrô, essa frase foi importada. Mas acho que os vidros blindados continuarão só por aqui.

Vai vendo

O menino era um qualquer
mas entrou na peça da escola
A menina, do balé, desde mais menina
Recital no mesmo dia, e eram irmãos

Papai acorda, mamãe acorda
Tem bilhete na geladeira
Preso com imã de fruta amarela

Um bilhete, do menino, que dizia:

"Mamãe e Papai,
[com letra maiúscula]
Vem ver eu na escola
Tem apresentação
Leva a máquina fotográfica
Pois se não vier, vai ver"

O outro, mais singelo, reforçava:

"Mamãe e Papai,
[também com letra maiúscula]
ele é bobo
vem ver eu"

Deram as mãos, os pais divididos
Olharam-se, e voltaram a olhar para o imã
De fruta amarela

A mãe pegou uma banana
Sugeriu
Subiram as escadas
Fizeram outro filho

segunda-feira, fevereiro 11, 2008



Essa poesia e muitas outras - minhas, suas, de todos- serão espalhadas pelos muros desse mundão - muros virtuais e muros reais, em desenhos, grafites, stickers e o que mais for possível. Essa idéia não é nova. Pessoas como o Ricardo Silveira, dono do blog Poesiafora, já fazem isso, e eu resolvi aderir feliz a essa idéia. Por um mundo mais poético, uma cidade mais colorida, um ambiente menos opressor. Poesia neles!

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Sabe?

sabe aqueles dias?

não "aqueles", como "aqueles" das mulheres

só Aqueles, com o "a" maiúsculo

e a vontade minúscula

então...