sexta-feira, abril 27, 2007

Trabalhar


Não há milagre capaz
de me tirar do vinagre.
Não há nada a fazer
a não ser
trabalhar,
trabalhar,
trabalhar.

Secar o suor que escorre da testa
e continuar:
trabalhar,
trabalhar,
trabalhar.

E quando chegar sexta-feira
é melhor que não queira
tentar descansar.
Não há tempo para isso!
é preciso
trabalhar,
trabalhar,
trabalhar.

- E no feriado? Estarei cansado!
- Seja ajuizado! Estás endividado!
Não há nada a fazer,
a não ser
trabalhar,
trabalhar,
trabalhar.

- E quando a fome bater,
o sono sonar,
a saliva escorrer,
a sede secar,
a fome crescer,
o sangue sangrar,
a mente adoecer,
a bexiga apertar,
o que hei de fazer?

- Engula um sanduba,
e beba um café.
Faça um curativo,
seja criativo!
Dê uma mijada
retome a enxada
e fique de pé!

Não adianta nem reclamar.

Não há nada a fazer
a não ser
trabalhar,
trabalhar,
trabalhar.

musica + mexeção + pessoal no mesmo ritmo que o seu

Um show de rock, e um show de samba. Não importa o barulho, um show são músicas e pessoas na mesma frequência.
Gritando as mesmas palavras, entoando a mesma nota, pulando na mesma batida. Esse sincronismo é o ritmo de um show. O público é tão show quanto os apresentadores. Pensamentos em sintonia, sentir a batida pulsando dentro de você, obrigando-o a explodir em voz e movimento.

O apresentador, ou apresentadores, têm a tarefa de produzir o ritmo, guiar a onda. Num show, transmitir emoções é mais rápido, e atinge um maior número de pessoas, que qualquer outra forma de manifestação. Ao invés de greves poderíamos promover show de talentos.

quinta-feira, abril 26, 2007

(In) utilidade

Eita, menino arredio
Olha o frio! Olha o frio!
Dá prá ver o arrepio
Olha pra elas
Pois nelas, canelas magrelas
Está o teu retrato

Sua pele infantil
Veste este olho senil
Sujeira na cara
Repara na craca
Que agora só dá pra tirar
Esfregando bombril

Pegue sua bola
Ganhe sua esmola
Põe na sacola
Pressa, que nessa remessa de carro
Cê pode, com sorte
Arrumar um cigarro


Cuide do seu troco
Sabes que é bem pouco
Tá ficando Louco
Trabalha, só rala, se cala
Senzala pra quê?
Pra dar pra mãe

terça-feira, abril 24, 2007

Sobre a boemia - Na mesa

Na mesa.
Não que seja o melhor dos lugares, mas é onde a maiora concorda em se reunir, pra um papo, o espairar da semana, do dia, sem distinção de credo, gosto musical ou profissão.

Mesa cheia, cercada de amigos, conversas e histórias, e risadas. Lembranças e brindes a momentos mitológicos. Um abraço, um aperto de mão, um beijo. Não há inimizade que dure, rivalidade que persista.

Na mesa, crenças de degladiam, a arena pra suas fortes convicções. O campo para reciclar utopias, e criar outras.

Ouvir um trovador, e seu violão. Uma gaita e imergir na beleza da noite. A mesa ao lado carregada de ternura e ilusões, flores e perfumes - elas sempre são mais.

O lugar das epifanias desmedidas, e aforismos acometidos, onde o lirismo é livre, os momentos se amplificam com a intensidade das palavras e toda loucura é mais genialidade, e toda realidade é poesia.

A mesa de bar, o centro da roda de samba, na batucada pra morena levantar. Na quinta, ou na sexta, com ou sem a disputa de sinuca. O pagode de sexta ou de sabado, mas é pra lá que eu vou.

"Transcender" ou "Além da Catarse"

Que a velocidade seja tamanha
Que com um relance eu veja apenas a turva imagem da fronteira
Que me atava à silhueta de potência
Que acreditava ser a capacidade máxima
Que um ser poderia atingir no período
Que considera vida,
Que talvez seja única, mas
Que a liberdade alcançada seja tão dolorosa
Que eu me derreta em lágrimas
E a última coisa a esvair-se além do tempo seja o meu sorriso

Poeminha brega para uma mulher grávida


que saudade de
ver a barriga
um pouco crescida
os seios inchados,
humor estragado,
a pele tão lisa,
meu Deus!
(que Deus?)
como é linda
essa minha mulher
tão distante
eu trabalho
ela em casa
carrega o
infante
trabalha
também
é gestante!
e o instante
não passa
jamais!

quero tocar
nesse ventre
que é quente
e abriga
uma gente
que ainda
não tem
nenhum
dente!

quero ver
meu parente
formando,
senti-lo
chutando,
virando e
virando
e virando
até se acomodar.

quero olhar
e chorar
e amar
e rimar
rimas bobas,
cantar canções
tolas
pra prole
nanar.

terça-feira, abril 17, 2007

Canção de despedida

Nem sei se chega a ser triste
Fitar esses olhos, velhos conhecidos
E ver que já não há mais nada
Além desse vazio que ensurdece

Inimigos tão cúmplices
Passamos a vida nos procurando
Para nos perdermos em tantos outros
Sem nem um aceno ou café da manhã

O vento desfez os castelos nunca habitados
Que teimoso construí para te coroar
E agora sozinho nesse abraço
Um beijo vazio
Processo arquivado por falta de provas
Sol que se põe e depois não levanta

Dançamos uma valsa devagarinho
Com gosto de cigarro e desistência
Sorriso torto, constrangido
Tua cabeça pousada no meu ombro
Nenhuma palavra por dizer
A vida passou por nós sem alarde
E aquele amor morreu sem sequer nascer

domingo, abril 15, 2007

rude - 09/set/2006

Numa tarde de sábado, estávamos atrasados e sem dinheiro, na Praça da República:
- Vamos procurar um banco.
- Blz. Vamos pergutnar onde tem um naquela banca.
Chegando na banca...
- Sabe onde tem um banco Dobrabil, aqui perto?
- ... - respondeu o jornaleiro.
- Por favor, sabe ond...
- Ah, agora sim: por favor, please, onegai shimassu!
- ... - reagimos.
- Segue essa primeira rua a direita.
- ...
E essa foi a demonstração mais rude que já presenciei - não foi uma tia gritando na absurda fila de 1h30 do banco, nem um cara expulsando quem durmia[ou fingia] dos bancos reservados do metrô. Esse jornaleiro me mostrou como exigir respeito, como desprezar quem não respeita e como dar uma lição em moleques!

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Ser desprezado, sentir ódio, e depois ver que a pessoa que lhe desprezou estava certa. Preocupante, mas justo. Ser rude com a falta de respeito, com a ignorância e com a hipocrisia. Direcionar o ódio a tudo o que é apático e estático. Desprezar estilos de vida medícores e bater, bater forte no que está errado e burro.

quarta-feira, abril 11, 2007

Confins sem fim

Se ela soubesse em que madeira pisar...Mas estava em ardósia. Calçava sapatos dois números maiores que seus pés planos queriam. Seu tio a chamou para conversar, mas Rosana escutou. Desconfiada do olhar pícaro que fez a esposa deste que lhe chamou, ela fingiu que continuava arrumando sua bicicleta. O tio sempre lhe dava doces e isso sempre lhe causava cáries. Menina sem mãe, tinha pai ausente e irmão desaparecido pelo mundo metropolitano. Devia estar em alguma esquina com alguma placa na mão ou um mini-rodo e água com detergente. Titio tinha bigode mal-feito e sua Rosana pelancas morenas que suavam o vestido de algodão vermelho. Tia dela arrumava o cabelo que lhe caia na cara, castanhos fios rebeldes que não se mantinham dentro do elástico de meia-calça velha. Ela lava a roupa numa bacia azul bebê enquanto a menina arruma a bicicleta que não tem pneus. Faz isso porque não sabe o que é esperança, mas tem em excesso.
O tio foi para a cozinha e derrubou café preto preto na xícara suja. Suas mãos têm cinzas, sujeiras e carrapatos. Ele a chama outra vez para lhe dar uma bala. Foi o doce mais gostoso que ela já comeu em todos seus 13 anos. Sente uma dor no último dente da arcada superior esquerda. Tudo vale a pena, até que a bala acaba. Seu tio continua ali na sua frente, Rosana arrumando o cabelo e suando sobre a bacia, seu irmão na esquina.
Santos é como chamam a seu tio. Ele limpa sapatos, corta madeira e vende produtos variados. De seu mercadinho vêm as balas para ela. Rosana é irmã de sua falecida mãe. Perdeu a esterilidade quando foi violada. Junto também se foi sua capacidade de amar. Tinha 17 anos quando isso ocorreu e logo depois conhece Santos, que a acolheu na saída de um pronto-socorro público. Eles não se falam, a menos que tenham que reclamar algo.
- Cadê o café? – pergunta freqüente do tio, geralmente sem resposta.
- Preciso de sabonete prá ropa – diz Rosana uma vez por mês para realizar o serviço que lhe rende uma grana correspondente a 1/3 de um salário mínimo.
Já a menina nunca diz nada, somente aceita as balas, dorme e acorda. Um dia, ganhou um pirulito. "Bala grande", pensou. Curtiu cada lambida sob o olhar atento do tio. Sentada no chão, pernas cruzadas, tranças cor de palha seca desarrumadas. Ela chupa o doce e pela primeira vez o açúcar em sua língua produz um doce inigualável: repara num menino que joga futebol na rua. Ele não a vê. Santos rói a unha. Ela lambe com mais gosto. O tio percebe que o olhar dela caiu sobre alguém. Dói-lhe o peito, dói-lhe o ventre.
Três dias depois vê o rapaz em seu mercado. Pergunta-lhe o nome e a idade com um sorriso que lhe sobe o bigode. O menino diz tudo. Silvio, 14 anos, órfão. Vive com seu irmão mais velho, Juliano, que trabalha de metalúrgico para sustentar os dois. Quando está no meio de sua história sobre como perderam os pais e mudaram para aquele bairro, Santos lhe entrega um pirulito.
- Bem vindo ao bairro, guri.
Silvio sai feliz da vida chutando a bola pro alto. O tio volta para o quintal e percebe que ela não viu nada. Melhor assim.

quinta-feira, abril 05, 2007

Sobre Holden Caulfield

Trata-se de um ser contraditório. Absorve e regurgita o mundo que o cerca a partir das mais evidentes futilidades, por meio de um vocabulário tão insosso e chulo quanto seu próprio cotidiano. À primeira vista, parece ser daqueles adolescentes típicos, cabeças-de-vento. Ainda meio verdes.

Entretanto, na medida em que a trama cresce, envolve e consome quem a acompanha, este mesmo personagem surpreende ao se libertar, em um ritmo quase imperceptível, da crisálida que outrora o escondia. Ao final do processo, vê-se um homem plenamente constituído. Dotado de uma maturidade que não decorre de tempo, mas, contraditoriamente, daquela mesma capacidade de absorver e regurgitar o mundo que o cerca a partir das mais evidentes futilidades, por meio de um vocabulário tão insosso e chulo quanto seu próprio cotidiano... De forma tão reveladora.

É fino e frágil como um graveto, quase raquítico, julga-se covarde, mas jamais renuncia ao direito de comprar uma boa briga – seja um duelo retórico com seus professores ou uma troca de sopapos com seu companheiro de quarto, esmagadoramente mais forte do que ele. No mais das vezes, mostra-se um jovem arredio, difícil de domar, e tão seguro do que pensa que chega a cometer grosserias ao desdenhar de opiniões alheias. Mas também gosta de ser simpático, ainda que raramente. Nestes átimos, costuma tratar pessoas que mal conhece como se fossem amigos de longa data. Sua receptividade chega a impressionar.

Sofre com as angústias do mundo, pois as acumula e não encontra canais para poder devolvê-las ao local de onde vieram. Reflexões circulam em sua mente sem parar, em um ritmo tão encadeado quanto os cigarros que vai consumindo. Um atrás do outro, de forma ininterrupta. Aliás, são justamente os tragos e a fumaça expelida pela boca que funcionam como um escapamento de pensamentos.

Carregando uma inerente ciclotimia, oscila entre momentos em que tenta desesperadamente se encaixar ao contexto do qual deseja fazer parte e outros em que decide desistir desta inclusão e assumir de vez sua vontade de andar fora dos trilhos. E é quando finalmente consegue se desvencilhar do olhar comum, mesmo que por pouco tempo, que Holden Caulfield, o apanhador, se desinibe. E perturba com sua capacidade de ver o mundo com olhos de quem o descobre a cada instante.

segunda-feira, abril 02, 2007

Ode ao Gato

sou grato ao gato
por sua gentileza
de me agraciar
com sua nobre presença
o gato é ser que pensa
pensa como gato
será que isso é errado?

gosto de observá-lo
sempre muito atento
a cada intervalo
a cada disparo
o gato é bicho raro
é bicho que pensa
e a desobediência
é coisa de gato
será que isso é errado?

o gato sobe na pia
e não me obedece
por que obedeceria?
ele não entende porque
não subir na pia
não vê sentido nisso
há algum sentido nisso?

eu vejo sentido, mas ele não vê

esperto é o gato.

não há sentido
em obedecer
quando não se vê
sentido.