sábado, junho 30, 2007

Aonde estarão meus amigos viajantes?

Aonde estarão meus amigos viajantes?
Em que cidade caminham, os pés sujos,
hablando para treinar,
fumando para acalmar?
Será que eles ainda tem rumo?
Será que eles ainda tem fumo?

Quero juntar-me a vocês, camaradas!
Levarei erva verde na bagagem,
abraço quente,
meu futuro filho ainda
na embalagem.
Minha mulher ,minha criança
Meus olhos doentes, cheios de lágrimas.
Minhas contas pagas, minhas lástimas...


Aonde vocês estão, meus amigos?
Por qual caminho devo seguí-los?
Me digam e apressarei
meus passos tranqüilos,
respondam e correrei
rumo ao infinito.

Meus pés anseiam por chão de terra batida.
Quero levar meus filhos para conhecer a vida
- verdadeira vida -
cansei de acordar cansado,
dormir enjaulado.

Não quero ser tão mal-exemplo.

Em qual estrada carrearei meu carro?
Não pararei nem para um trago.

Não descansarei meus braços.

Meus olhos só fecharão
quando avistarem o abraço,
meus passos só cessarão
quando de novo houver traço
de amizade que então
nos unia em laço.

Quero sentir correr nas veias
o tal sangue latino!
Quero ferver nas artérias
meu sangue maldito!

Quero queimar minha pele pálida,
alimentar minha alma cálida.

Levarei meus dilemas, alguns poemas
que escrevi enquanto esperava
a hora certa.

- Mas a hora é sempre incerta,
é sempre tempo de partir -

Portanto, aceitem minha oferta:
quero recitar meus versos vagos
a ouvidos atentos.
Quero gritar - controverso e gago! -
sem constrangimento.
Quero sentir-me abençoado
pelo deslocamento,

já cansei de me locar,
vou descolar, vou decolar...

espero apenas
com sentimento.

Amigos, isso não é apenas poesia:
é desalento!
É pedido de socorro,
grito, esporro,
investimento.

Vou esperar enquanto agüento.

Se não responderem, saio assim mesmo.

Na falta de norte, seguirei o vento.

Hei de encontrar vocês
em qualquer cruzamento.

sexta-feira, junho 29, 2007

Um exemplo

Amigos baratos e leitores,
hoje faço questão de ceder meu espaço ao colega virtual Fernando Szegeri, que publicou esta pequena jóia em seu blog, o Só dói quando eu Rio (http://sodoiquandoeurio.blogspot.com/).

Escritores baratos ou não, somos todos companheiros de luta. Pessoas que fazem da resistência uma arte e uma arma na eterna tarefa de promover revoluções diárias.

Cada uma das pelúcias feitas e vendidas pelo querido e já saudoso amigo Armando Colacciopo, o Armando dos Bichinhos, era na verdade um ato de subversão. Uma veemente recusa à vida convencional e sem propósitos. Uma fagulha capaz de detonar verdadeiros incêndios em mesas de bar e em corações minimamente sensíveis, boêmios e românticos.

A despeito do que exige e exalta esta sociedade estranha, o grande Armando é um exemplo. Para mim, é. E sempre será. Aqui ou lá.

-

Sexta-feira, 29 de Junho de 2007
O Anjo Guerreiro da Noite

“É um trabalho de teatro. A vida é um palco e a gente se diverte”
(Armando Colacciopo)

Há três dias, por um presente divino, encontrei-o no Ó do Borogodó. Lá ia ele todas as noites, vender seus famosos bichinhos. Do mesmo jeito que no Bar do Cidão, no Bom Motivo, Filial, Sem saída e tantos outros. Como, em tempos passados, no Xodó da Paulista, no Bar Brasil, Vou Vivendo, Clube do Choro, Bar da Virada, todos passados para as páginas viradas da História. Sempre que me encontrava, rigorosamente sempre, mandava uma do repertório do Orlando Silva, nossa paixão comum, do qual era grande conhecedor. Nessa noite não foi diferente:

Esta será a última canção
Que cantarei ao me despedir
Depois verás então
Em breve eu partir...(1)


Jamais poderia desconfiar do sentido profético dessas palavras. O telefone tocou ontem à noite e a voz da minha amada amiga Roberta Valente já denunciava a tristeza. Nosso querido Armando Colacciopo, o Armando dos bichinhos, sentiu-se mal ao final da mdrugada de ontem. De repente, como só fazem jus os escolhidos, o anjo das nossas madrugadas solitárias bateu asas pra tocar sua flautinha na morada dos Ancestrais.

Foram mais de vinte anos de convivência nas noites perdidas de São Paulo. E posso testemunhar, sem medo, que salvou minha vida em muitas oportunidades. Quantas e quantas vezes, sozinho pelos bares, enchendo a cara por falta de coragem de voltar pra casa, na certeza de que todas as almas conhecidas teriam viajado sem me comunicar, aparecia ele com seu abraço tímido, sua paz infinita estampada no rosto às vezes cansado; sentava, jogava cinco minutos de conversa fora e, cumprida sua angélica missão de me resgatar do naufrágio, seguia na sua empreitada de todas as madrugadas durante mais de trinta anos.

Se a nossa missão, enfim, é resistir, Armando talvez tenha sido o maior. Militante político convicto e incansável, teve seus problemas com a repressão da ditadura militar e buscou salvaguarda entre os hippies da década de 70. Com eles aprendeu que se pode viver de artesanato. Mesmo formado em engenharia naval pela Politécnica da USP, recusou-se durante toda a sua vida a adotar os padrões de vida burguesa que tanto repugnavam aos seus ideais de igualdade e justiça. Nunca teve patrão, sempre fez o que bem quis. “Foi assim desde criança”, lembrou alguém, hoje, ao lado do caixão. Sempre vendendo os bichinhos feitos pela inseparável companheira Vera Bertazonni, andando de ônibus ou de bicicleta, nunca pedindo nada pra ninguém, viveu sua vida, criou os filhos, provou-nos ser possível.

Começou pelos bares dos jardins, depois acompanhou a migração do movimento noturno para Pinheiros e a Vila, mas enquanto o último reduto do lado de lá respirou – o Xodó -, não deixava de dar sua passadinha, “pra depois descer”, como ele sempre dizia. Conheci-o no Bom Motivo, onde dividimos a mêsa em muito fim de noite, jornadas encerradas, em companhia de amigos como Roberto Lapiccirella e Waltinho do violão. Há anos planejava fazer com ele uma entrevista, pra registrar suas histórias. No nosso derradeiro encontro de terça, ainda falei: “A gente se conhece há 20 anos e você nunca foi lá em casa.” Peguei seu telefone e a promessa de levar D. Vera pra conhecer a Rosa. Não deu tempo de nada. Liguei para sua casa, pela primeira vez em vinte anos, pra saber o horário do enterro.

A Vila Madalena veste luto, assim como esta página. Pelas esquinas escuto violões, flautas e cavaquinhos em funeral. Soube que muitos bares ontem baixaram suas portas em homenagem ao seu anjo-guerreiro. Resta a mim, de novo, e sempre, chorar. Como choro escrevendo estas linhas, lembrando estas e tantas outras histórias. Porque a minha solidão cada dia tem menos remédio. Porque o preço da sobrevivência é ter que ver os nossos melhores tombando. Mas a nossa resistência se nutrirá de seu sangue e de seu sopro. E se fortalecerá para que não tenha sido em vão a sua luta.

Vou beber pelas madrugadas a saudade do amigo. Tuli tuli tulá... Chorar em companhia da Cobrinha Azul, do Zé Celso, do Pingüim, do Inconsciente Coletivo, do Marciano Erótico, do Libertadores (o porquinho verde que batizei em 99), tantos e tantos personagens que povoaram minha trajetória boêmia nesses anos todos, hoje órfãos.

“É um trabalho de teatro. A vida é um palco e a gente se diverte, mas hoje eu tenho lidado mais com o povo. Antigamente era mais a classe média, que agora freqüenta lugares fechados. Não tenho mais acesso a eles. Meu público é estudante, ator de teatro, jornalista...”(2)

Fechadas as cortinas, meu velho, você que foi o maior, fique com o aplauso do povo. Do teu povo.

(1) A última canção, fox-canção de Guilherme Augusto Pereira, gravada por Orlando Silva em 1937

(2) Fonte: Guia da Vila

Algo

Receita de farmácia

Pílula poética
Duas vezes ao dia



Semi hai-cai

Que diferença faz
Se amar se conjuga igual chorar

O olho roxo da minha irmã

Ela saiu inteira do acidente. Um hematoma medonho no rosto, mas só.
Eu não. Aquela moto atropelou também minha alma.
Engraçado o leve desespero que dá pelo que poderia ter sido.
É difícil, inclusive, chorar. Não aconteceu nada, diz meu cérebro.
Meu coração fica quieto, não sabe replicar. Só sabe que dói.

quinta-feira, junho 28, 2007

Fragilidade

O ser humano é frágil
É porcelana ser o humano
Ser humano é o estilhaço
Neve é o ser humano
Ser gota é o humano
Frágil ser é o humano
Humano é o ser borboleta
Ser,
porque não desmaio humano?
Ser,
miniatura humana,
o soslaio humano.
Frágil.

O Incrível Salto

É complexo
tudo o que vem de dentro
de mim
e salta pro mundo
tão precoce
que dá medo!

quarta-feira, junho 27, 2007

É que

É que gosto de começar a escrever fragmentos com é que.

É que estou com a melancolia interna bruta em desespero, mas é um estado apático.

É que hoje estou apática, sem sangue, mas cheia de dor. E nem sei localizá-la dentro de mim.

É que meus órgãos estão brincando de passa anel com o meu coração, mas minhas mãos não querem formar uma concha claustrofóbica e seca como fazem os que agora derramam minha argola trêmula de um para o outro. De um para o outro escorregam as minhas batidas ocas sem fazer cócegas. Eu sei deste enfado porque meu corpo, às vezes, cambaleia bem lentamente e isto significa que o anel está sendo p a s s a d o a d i a n t e.

É que um anel é apenas um contorno concreto preenchido pelo nada. A dor deve estar neste vão intocável, meu coração.

É que deve sangrar sim e devo ser um borrão de sangue, pois as gotas devem escorregar lentamente pelas bordas até não mais se sustentarem, então devem pingar nos órgãos. Acho que o sangue desabrocha da argola.

É assim que tenho passado por mim em tempos de cólera branda. Dias melancólicos, horas internas, minutos brutos e segundos desesperadores. Tempo de apatia, vou passando adiante.

terça-feira, junho 26, 2007

[delírio veranil] Jack teve um sonho

Um espaço vazio, um palco. E então surge um trio, contra-baixo, bateria, violão e voz.

Ao fim do show Jack percebera que ouvira a banda de seus sonhos, e foi cumprimentar o baixista:
- Muito bom o som de vocês.
- Valeu! quer ir com a gente tomar alguma coisa?
- Claro! com certeza!

Ao se virar viu que só ele presenciara aquele show, ao se virar novamente para banda ela já não estava mais lá. Era um sonho? Estaria criando amigos imaginários?

Se sentiu só, ergueu a cabeça novamente e estava rodeado de pessoas que nunca vira antes, mas que logo vieram cumprimentá-lo. Os questionamentos deram lugar a conversas e risadas. Quando começava a conhecer bem um e ia conversar com outro a primeira já havia sumido. Bastava ele começar a gostar da pessoa e tirar os olhos dela que ela dissipava.

Eram fantasmas? Não importava, eram seus amigos. Descendo a rua, se divertindo com a simples presença de cada um. Era só não tirar os olhos deles - coisa difícil. Brotou-lhe a melancloia e então apreceram mais amigos, eram agora ao todo três garotas e quatro rapazes. Chegaram então numa praça, que de tão vistoso parecia mais um jardim. Armações com trepadeiras formando um corredor com bancos, flores e canteiros bem cuidados, ótimo lugar para reunir amigos, ou mesmo caminhar sozinho.

Uma coroa de flores e armação de trepadeira para a mais bela entre elas. Um sorriso contagiante, cabelos negros precisamente encaracolados. Apaixonara-se pela garota que sempre procurou, a que sempre procurou, pois ela também correspondia a essas fagulhas de sentimentos. Palavras e beleza, estavam imersos, cada um no outro até que Jack não via mais os outros, e tinha medo de tirar os olhos dela e perdê-la.

Trocaram beijos e abraços, numa comunhão apaixonada e carregada de calor. Caminharam até o final da praça onde encontraram brinquedos, desses de colocar moedas para fazê-los funcionar. Ela decidu subir em um deles. Jack vacilou os olhos para o lado, ela ainda não havia sumido, e concluiu inocentemente consigo que quanto mais eles interagiam com a realidade menos fantasmas se tornavam, e desaparecer ficaria mais distante. Então decidiu:
- Casa comigo.
- Por quê? - não, não era um porquê da dúvida de seus sentimentos, ou do questionamento do que o outro sente. Era um porquê de pra quê, para quê casar se estavam certos de seu amor e de sua felicidade?
- Porque assim você não vai sumir. Assinando o papel você se torna real.
Ela respondeu com um beijo. mas ele tinha dúvidas se ela ainda permaneceria lá, só queria que aquele abraço fosse para sempre.

Cena que não aconteceu mas bem podia ter acontecido

E então ele chegou naquela frase. "O pavor de morrer aí é inseparável do pavor de viver." O Baudrillard quase caiu de suas mãos. Sentiu um nó na garganta, tontura. E entendeu um monte de coisas.

segunda-feira, junho 25, 2007

As lágrimas correm
lúgubres pela face.

Os olhos, esgotados,
só enxergam gotas.
A boca mal
sorve a sopa,
a fome é muita,
a fome é pouca.

A rima, pobre ou rica,
é sempre boba.
O poeta, bom ou ruim,
é sempre pouco,
é sempre pobre,
é sempre louco,
é sempre um soco
que dói a mão
do socador.


ca
a
dor
que
não
sem
te
ar
dor.

Soca
com
gozo
peri
goso.

Goza
dor.

As canções que fiz para você

É mais um uísque que acaba, mais um standard que o pianista dedilha, o bar desse hotel tem um silêncio que sufoca. Só eu, o pianista e o barman. E um grupo de chineses numa mesa do canto, aboletados em seus ternos mal cortados, bebendo e falando sem parar. Por quê você está demorando tanto? Já aprendi a minha lição.

***
Te escrevi uma canção. Te comprei um livro. Escolhi o nome dos nossos filhos e já decidi onde vamos passar nossa lua-de-mel. Danço sem parar com essa sua ausência tão presente que embriaga. Cantarolo em teu ouvido e te afago os cabelos enquanto envento galáxias que não existem para, pateticamente, forjar um conhecimento que não tenho.
***
Você fica linda enquanto corre nesse vestido branco. Teus cabelos soltos parecem dançar ao sabor do vento, alheios a tudo e a todos. Tantas coisas para fazermos juntos. Tantos dias a caminhar enquanto as crianças correm, num anoitecer à beira-mar. Tantas reuniões de pais no colégio.
***
Aparece logo, vai. Tem um mundo só pra você te esperando.

domingo, junho 24, 2007

A funcionária público-privada


Agora ela era chefe de uma repartição pública. E sentia-se tão privada de tudo. O nome dado ao lugar que habitaria era comprido e não revelava nada: Coordenadoria de Controle Interno para Registros Funcionais. Não constava nisso o ar puro junto à janela – não havia janelas – nem sequer o clima doce e suave propiciado pelo arranjo dos perfumes de outras funcionárias. Que outras? O espaço era todo – e só – dela. A chefe. A mulher-maravilha do funcionamento público que, na verdade, vivia privada do funcionamento. Nem havia relatos de que algo lá dentro realmente funcionava. Agora mesmo cessava o "tac-tac-tac-tac" da digitação para prestar atenção ao silêncio que fazia em volta. A princípio, sentiu uma necessidade absurda de conversar ou ver entrar pela porta uma pessoa qualquer: o vendedor de loteria, o poeta (uma poesia a um real, como se fosse um broche), a costureira, o engraxate. Mas os profissionais não saberiam chegar até lá. Nem as pessoas que haviam trabalhado lá sabiam voltar ao lugar. Ela mesma preferia não ir mais embora com medo de perder-se pelos corredores e esquecer o caminho que a havia conduzido à chefia. De repente, de pensar nisso tudo, passou a desejar o que era mudo. Quem sabe pudesse ouvir a si mesma em um silêncio profundo. E rapidamente se levantou da cadeira para desligar o ar-condicionado. Mas alguma coisa no fundo ainda ecoava intrigante e cobria a ausência de som. O estabilizador. Desligou-o. Julgou sentir-se melhor estabilizada dentro do contexto branco daquelas paredes ocas. Que sofrimento aquele de perseguir o nada – para desvendar tudo o que havia perseguido a vida inteira. Ali, agora, ninguém atrapalhava - ninguém trabalhava. E pôde ouvir, então, as pegadas de formiga, do mutirão de formigas trabalhadoras que se enfileiravam para dentro da sala, através das frestas da porta. Mas ela era a chefe e única. Tinha o direito e o dever de estar à mercê dos outros setores, coordenando aquela sala; mantendo o equilíbrio do silêncio emanado pelas paredes já mencionadas. Matou as formigas, uma a uma, procurando não fazer alarde. Elas corriam agitadas e vesgas, mas uma pisada da chefe – da imensa mulher trancafiada – cobria dezenas de formigas histéricas. E qualquer um que ousasse chamá-la de mal-amada – entro no assunto porque ouço os boatos – irá surpreender-se com a quantidade de olhos claros, escuros, neutros que observam – e anseiam por - sua chegada. O problema era alcançar um estado de silêncio tal que ela fosse capaz de entender suas próprias palavras. E tão logo matou os bichinhos, percebeu um barulhinho vindo de cima do armário – um dos três móveis escuros que cercavam sua mesa. Era o "tic tac" de um relógio requintado, lembrança do presidente de todas as repartições cabíveis naquele local, que mais se assemelhava a um porta-chá – as salas eram todas iguais. Mas se o relógio havia sido um presente fino, ela agora pretendia alcançar o mais simples - sua única pretensão. E talvez fosse mesmo desesperador a ponto de tê-la impulsionado a arremessar o sofisticado relógio contra a terceira parede – sem mencionar a hierarquia entre elas, mas sinceramente faz sentido referir-me à terceira parede. Porém o filtro de água também possuía aquele motorzinho humilde dentro de si. O que ela faria ao sentir sede dali para frente, se era verão e a água com certeza estaria quente? Recusou-se a se responder – agora que suavemente quase conseguia se ouvir. Dali para frente, ora, não sentiria sede nem fome! Porque se atingisse um nível de silêncio suficiente para se compreender, tinha certeza do que ouviria, e a satisfação de entender a si mesma era muito superior às reclamações físicas. Tirou o filtro da tomada e o resultado da anulação daquele som ela recebera sem susto. Uma constatação triste de que algo ainda precisava ser desligado. Era ela, desconectada do mundo – que mundo? Onde é mundo? - saboreando o prazer de ser amarga. Atirou-se contra todos os objetos da sala – desperdiçando-se em gestos grosseiros e pouco hábeis. Confrontar-se com a matéria – ela, que se sentia alma novamente fácil? Foi o seu dilema: romper o semi-silêncio para arrebentar tudo o que fosse emanador de som. E de repente uma roda-gigante de barulhos estridentes: grampea-dores, computa-dores, desperta-dores – dolorosamente espatifados no chão. E quando não havia mais o que tirasse a paz do local perturba-dor, sofreu guardada – ela também se atrapalhava – ao escutar no silêncio impenetrável que, ela mesma, não tinha nada a se dizer. Funcionária Pública da Locução Privada.

sexta-feira, junho 22, 2007

Curto # 07

Átimo instinto
distante distinto
íntimo instante
átomo extinto

quinta-feira, junho 21, 2007

o convés estava quente e lotado e
por isso eu vivia reclamando incansavelmente.

mas é que não sabia como estava o porão.

quando o chão me foi tirado e cai, descobri
o mundo que sempre soube e nunca vivi

aqui sim é que faz calor!
aqui sim é que está lotado!

e vamos todos por aqui, apertados
cantando para aplacar a dor
cantando as músicas dos ancestrais dos torturados!
meu ancestral era o torturador...
que ironia, cá estou agora!
torcendo para algum outro cair
e servir de escada para o meu desespero.

e não há sentença palindrômica que me salve!
minha filha é muito nova para oferecer ao meu senhor.
quando sairmos da água, poderemos beber água!

espero ser comprado por um bom
compra
dor.

segunda-feira, junho 18, 2007

Recado ao Mágico

Dê um passo à frente, por favor, aquele que por gentileza quiser responder: Por que as pessoas assistem, de maneira passiva, à agonia do amor, da paixão e da intensidade? Por que muitos permanecerem imóveis e atônitos diante do leito em que sucumbem tão nobres sentimentos? Penso não se tratar de má fé – o que pode, inclusive, ser mais cruel. Acontece que o indivíduo está se esquecendo da importância e da grandeza que residem no ato da entrega. Afinal, entregar-se é se expor ao outro. É abrir mão de todo e qualquer tipo de defesa e tornar visíveis suas mais profundas e obscuras facetas. E este excesso de pudores para a doação me dilacera; traga minhas forças sem qualquer piedade. Nesta época esquisita em que vivemos, faz-se necessário lembrar que dividir(se) vai muito além da mera convivência a dois. Não é simples como sair vomitando palavras a esmo, desconhecendo suas causas e efeitos. Ou como aquelas mãozinhas frouxas que se sustentam menos por um impulso incontido e mais por uma falaciosa comodidade, filha do medo de estar só e de ter de conviver com os assustadores fantasmas da solidão que convivem na própria consciência do ser humano. Uma pessoa é demais para ela mesma, e é exatamente por isso – e não por qualquer outro motivo – que alguns se contentam com tão pouco. Porque a lógica se inverteu e agora chegou ao absurdo de mandar dizer que “antes mal acompanhado que só”. E assim vamos vivendo, entregues à mediocridade e ao ceticismo. Soterrados pela avalanche do dia-a-dia que nos ordena comer e dormir, tornando a vida cada vez mais opaca e insípida. Este automatismo nos levará à estiagem total (e irreversível) do sentir, dos abraços que deixam marcas de dedos nos braços, dos beijos dados de maneira selvagem, como se a nossa própria alma quisesse atravessar a garganta do outro e lançar-se sem medo para dentro de seu coração. Viva o amor enlatado, encontrado na prateleira de qualquer cadeia estrangeira de hipermercados. Viva a paixão de isopor, vendida em embalagens descartáveis, dessas ecologicamente sustentáveis. Aos Quixotes de plantão, desejo força. Faço votos para que a suposta ingenuidade que os motiva a continuar pelejando não seja derrotada pela maioria pragmática. Quanto a mim, avise ao Mágico de Oz que, se tudo continuar assim, devolverei meu coração humano e ficarei apenas com a minha gasta carcaça de lata.

...faça você mesmo: guitarra + microfone + amplificadores!

Sábado de manhã: noite bem dormida, clima bom para uma caminhada, dia para descarregar toda energia acumulada na semana, começava mais um dia de rock`n`roll.

Ligar para amigos:
- Vamos até a Paulista?
- Vamos. Queria passar na galeria também.
- Blz! vamos de lá!

Caminhar pelo caos, sentir liberdade em cada passo, divertir-se com um local chamado rua. Galeria do Rock, encontre cds originais pela metade do preço, conheça a produção musical nacional e cumprimente os músicos.
- Tá procurando qual cd?
- To procurando uma fita do Fud.
- Chá quente para noites frias?
- Esse! Ouvi o cd Auto-mático, e me falaram dessa demo.
- Acho que não existe mais.
- Vou ver se acho Sonho Médio do Dead Fish também.

Uma boa maneira de saber dos shows pela cidade é catando flyers ou dando uma olhada nos cartazes.
- Vai te Blind Pigs semana que vem.
- Faz tempo que a gente não vai.
- Vamos nesse?
- Vamo ae! tava querendo ir em algum show.
- Hoje tem algum?
- Que a gente conhece não.

Quando não há o que assistir, faça você mesmo.
- De tarde vamos tirar um som?
- Na casa do baterista? Blz!
- Chamar mais gente?
- Quem tiver afim de tocar.

Amplificadores, bateria, cabos, microfones, guitarras e baixo. Hora de acordar vizinhos dormindo sábado de tarde, mostrar que desligamos a tv por um tempo. Dar nossos gritos de liberdade, acertar a cabeça de alguém emburrecendo numa poltrona, abrir os olhos através dos ouvidos.
Começamos a tocar: gritos como explosões a cada power chord, pulos de quem veio acompanhar. Quem não sabia tocar instrumentos, e queria soltar a voz, o fez. Revezamento também nas guitarras e baixo. Imagine uma grande jam session com seus amigos! Apenas o mosh não era possível.
*Como ficou depois registrado por um dos presentes: “E foi assim, com guitarras distorcidas, bateria caótica, espontaneidade, um solitário mas presente baixo, álcool, vozes desafinadas, rabiscos, fragmentos poéticos e performances... Com todos os ingredientes básicos de uma diversão diferenciada, livre, descomprometida, subversiva e desafiadora.”

Não demorou para vizinhos opostos à música juvenil começarem a provocar, não rendeu nada além de risadas e mais empenho nas músicas. Escurece e temos de competir com gritos e ovações de uma igreja, logo os vizinhos ainda não conformados que pararam suas atividades sabatinais começam a jogar bombinhas e morteiros, alguns se assustam, mas a música não parou um segundo. Foram 3 horas sem exitação do primeiro acorde à última batida nos pratos.

Escapar da mediocridade. Temer menos a morte, menos ainda a vida. Libertar-se de nossas angustiantes rotinas. Sentir o sangue correr na hora de começar algo e ir até o fim. Ao invés de dançar conforme a música, escolher a música conforme seus atos e escolhas, ninguém precisa escolher seu ritmo.

Calmaria na noite, consequência, assim como a rouquidão, de uma tarde de música e suor. Fechava-se o dia, uma noite rock’n’roll ficaria para a próxima.

[(*) citação by zé henrique lopes]

um bilhete para o meu amigo hi-fi

só para dizer
que você tem toda a razão

o rock é o que nos une, para sempre jovens.

[longa vida aos stones, beatles, creedence, joe cocker e todo o resto da galera]

forte abraço, camarada!

Simples assim

quero você
só você
só pra mim
só pra sempre

sou assim
sou a gente
só assim,
de repente

sem ter fim...

o problema
é que não sei
quem é você
isso é uma pena

domingo, junho 17, 2007

Um pequeno desabafo estéril para alguém querido que está se fodendo

Eu diria que as chances de você não ler isso aqui nem sequer supôr a existência dessa pequena mensagem beiram os 99,9%. Isso é, portanto, uma bandeira branca contra um exército cego, uma semente jogada no deserto.

Dane-se. O que eu queria dizer é que a vida é muito mais do que você pensa. Que você não precisa disso e é muito melhor do que essa merda toda. Que eu tenho uma vontade quase bestial de jogar o coquetel molotov e ver tudo pegar fogo, mas que no fim das contas não cabe a mim fazer porra nenhuma. Quando tentei fazer, sobrou - obviamente - para mim.

Não sei o que é pior nesse caso, se o que você sabe ou o que nem sequer imagina (ou, pior, talvez imagine mas passe ao largo). Se é a expansiva desfaçatez diária, desprezível em sua obtusidade, ou se é o lusco-fusco do mundo paralelo sub-reptício que se arrasta pelos esgotos, pelas suas costas.

Resta, a mim, torcer aqui para que esse incêndio comece um dia, seja lá por que diabo de motivo. Porque isso tudo deixa a gente muito puto.

quarta-feira, junho 13, 2007

Pinga ni mim

Vi um homem vestido de terno e camisa. Ele estava completamente fora de si. Alfaiate é como lhe chamavam.
O vi primeiramente fora do ônibus, fumando um baseado no terminal.
Falava alto, as meninas passavam por ele apressadas, sem levantar os olhos, Senti um pouco de medo também.
Ele veio para meu ônibus. Parece que ele pega o mesmo todo dia, pela intimidade com que o cobrador falava da sua bebedeira.
Da falação, Alfaiate passou à cantoria. Acho que, em sua cabeça, ele imaginava estar fazendo um show diante da platéia.
Aos poucos, a atitude de reprovação e medo das pessoas se transformou em chacota.
E ele cantava, arrastava a língua, mandava beijos desengonçados, e o povo ria. No começo, timidamente, mas em pouco tempo, eram gargalhadas. O cobrador botando pilha "Canta mais, Alfaiate. Se você dançar também, ganha uma tequila".
Enquanto o ônibus seguia em êxtase humorístico, uma mulher no Capão Redondo derramou uma lágrima seca. Assustada com a própria fraqueza, a esposa de Alfaiate limpou o rosto e maldisse o marido.

terça-feira, junho 12, 2007

quando era criancinha
era tímido feito tatu-bola
gestos desengonçados, fala pra dentro
só uma amiga feia e nerd

um dia cheguei atrasado a aula (como sempre)
e o rapagão do fundo
- alto forte feio, cara de mau, três anos na mesma série –
gritou maldoso:
apareceu a Margarida!

e daí pra frente, só deu Margarida.
Margarida pra cá, Margarida pra lá...

mas um dia Margarida morreu

um futuro amiguinho fez questão de enterrá-la

fez piada jocosa
xingou
empurrou
humilhou

até que o punho cerrado atingiu sua face sardenta

- Cara, que legal! Você arrancou sangue do nariz dele!
- Fui eu que fiz isso?
- Foi você, Margarida!
- Quer que eu quebre seu nariz também?

***

Margarida morreu.

nasceu azaléia branca
(pensando-se comigo-ninguém-pode)

terça-feira, junho 05, 2007

Réquiem por uma Palavra

Estava no ônibus, sentada sob um sol brando de Segunda-feira, a reparar nas pessoas envoltas em seu próprio amanhecer, no clima propiciado pelos seus mp3 players, I-pods - algumas ainda apegadas ao discman, mas não importa quais eram os instrumentos emanadores de música. O fato é que eu entendi tudo o que, até então, passava diante dos meus olhos sem me atentar. É que a música dá cenário ao nosso pensar. Mas pensar em nós mesmos. Pensar no que nos cerca, no que nos afeta. Ouvir música é ser, a certo modo, egoísta. É pegar esse pano de fundo musical e colocar no palco da nossa vivência, e pronto. Sentir o que a música te induz, mas só até onde você se permitir. Mas ler... ler é emprestar-se ao mundo. Às coisas que compõem o mundo. Ao mundo do mundo. É desprender-se da terra, da poltrona, do ônibus, da própria carne e habitar outro aspecto de vida – que às vezes nem é vida, mas vive descrito na página lida; esquecer-se de quem é; não ser. Ler é quase não existir para coisa alguma e vagar fantasiado de tudo que é lido, simplesmente no ritmo dado pela acentuação gráfica: Ah! Ler, este suspiro visual, é romper as paredes do corpo e partir sem tristeza; partir para ficar; permanecer ileso ao ambiente à sua volta, mas afetado por tudo. Estremecer por dentro, lendo o turbulento. Chorar, e tomar decisões que talvez se dissipem durante o retorno ao corpo, sentado na poltrona do ônibus que viaja preso à terra, no interiorzinho de Santa Catarina, vendo vacas beges pastarem impassíveis. Ler e rir, às vezes, doer de raiva de algo que nunca existiu nem aconteceu, mas que teve vida no espaço de tempo – incontável – em que você o lia. E eu escrevo para quem lê sem saber-se lendo; viver na palavra escrita, saltando de página à página, cada vez mais sedento. Eu escrevo absurdamente ávida. Meus dedos, humildes funcionários assíduos, trabalhando sem hora determinada – a escrita em nada se encerra, nem de maneira alguma se conforma. Alguém, do lado de fora da página, me espia por dentro. Passa os olhos nesta folha: sentem-se os dedos. E a mágoa eterna de nunca ser suficiente, jamais encontrar-me aliviada em texto algum, simplesmente porque não existe o que me avise: “está bom, pode parar por aqui”. A palavra me (con)vence. A palavra é que me (co)move. Somente ela é capaz de descrever sem podar o imaginário mais profundo dos seres humanos que estão sobre ela. Na superfície da palavra, eu me deito solenemente e sou levada: letra por letra, cada vez mais aflita, na busca - incessante e suspeita – pela coisa não escrita.

segunda-feira, junho 04, 2007

Sentir a falta de...

Que é que tu tens que tu cresces quando cutuca tua cútis com talco? Tão contente, quase crente que eu, carente, cruze causos entre a gente. Quase que eu te quero toda quente com tempero e pasta al dente, quase que eu te ponho em mente, de corpo presente.Pode parar de por dó e pena. Drena o pó, drena o palpitar, drena a dor, pode parar de pirar. Pressa com paródias pulhas, olhos molhados, filhos e falhas, fagulhas e talhas. Tome tento, vista a roupa, tiro a estopa da boca e grito: "Garota Louca". Não minimize minha manha “menos mãe, menos tamanha”, que amanhã a manha não nana, a manhã não amana, e a dama ama. E eu ruim e rasgado, roto, esfarrapado, rasgo o roto, rôo a gosto, degusto, dele gosto, encosto, e morro-te em mim, forte. Ruim de morte!

sábado, junho 02, 2007

Helenas

Primeiro dia de aula, nada diferente de um primeiro dia de aula do colegial, o diferente era que no 2o. ano não conehcia ninguém, mudança de bairro, mudança de escola.

A primeira pessoa que conheci foi Lídia:
- Oi! você é novo aqui, quer ir na cantina com a gente?
- Oi...Tudo bem.

E foi o sorriso mais lindo da minha vida. Não demorei a perceber que muitos tinham a mesma experiência que eu:
- Ae, qual seu nome?
- Mauro.
- Gostou da Lídia?
- é...
- Entra na fila! hahahaha!

Desânimo e vontade de lutar, aceitar o desafio, e vencer. O que acontece? Nunca fui de gostar das garotas mais populares.

- Opa, você é o cara novo da sala?
- Isso...
- Pega umas balas pra gente.
- Vaza, que ele tá com agente. - ela interveio. Essa mina é pra casar!
- Valeu!
- Nem liga, que cara folgado.

Não é dessas popularidades que a pessoa conquista, é quase sobrenatural. Daquelas pessoas que você confiaria um segredo no mesmo dia que a conheceu. Muito carisma, mas que atraía não apenas olhares e pessoas, atraía até mesmo palavras de agressão, como se qualquer atenção que ela dirigisse fosse uma valiosa jóia. No mais, um ou outro rapaz largando a própria namorada por um sorriso seu e sua companhia. Ela não possuía nada a mais que outras meninas em sua beleza, só podia ser assistida pelos deuses, não há outra explicação, uma própria Helena de Tróia.


[Helena de Tróia era a mais bela de todos os reinos, e de tão bela acabou num jogo de Éris. Éris elaborou um presente destinado a deusa mais bela, a discórdia se formou entre Afrodite, Hera e Atena. Afrodite prometeu Helena a Páris se ele a elgesse como a deusa mais bela, foi o que ele fez causando a guerra de Tróia.]
[+] http://pt.wikipedia.org/wiki/Eris

sexta-feira, junho 01, 2007

Dois monólogos não formam um diálogo

Foi assim, num estalo, que se rompeu o silêncio onde havia mergulhado aquela mesa de jantar. Ou de almoço. Não fazia diferença, na verdade, já que mal pareciam uma família – na acepção clássica da palavra, a instituição que exige a existência de um pai, uma mãe e um par de filhos. Ali, eram todos estranhos uns aos outros, como se habitassem universos completa e radicalmente distintos – sem qualquer elo entre eles. Mas o estrondo vinha da sala ao lado, onde o caçula havia, mais uma vez, arrastado seu cadeirão para perto da janela. Gostava de ver a lua, dedicava horas e horas ao ato de contemplá-la, mesmo diante de críticas e comentários do pai, que achava aquilo uma inutilidade. Ele, o pai, doava-se a preocupações mais nobres, pois tinha bocas para alimentar e pouco tempo para viver. Repetia incansavelmente o mesmo trajeto, optando sempre pelas mesmas vielas que o levavam e traziam da firma. Jamais ensaiava pensar em qualquer possibilidade que não fosse aquela, que lhe servira como referência durante anos. Seu paletó, que variava entre o preto e o cinza-chumbo, preservava-se impecável, em eterna sintonia com gravatas atravessadas por opacas listas horizontais. Listas que também marcavam sua testa, sempre franzida por algum motivo não compartilhado. A mãe, aposentada por invalidez, sofria de fortes crises de identidade, e por isso fora afastada do emprego e do convívio social. Chamavam-na de bipolar. Sua vida, agora, resumia-se à miserável tarefa de bordar, bordar e bordar – incessantemente. Diziam que acalmava, que fazia bem à alma. Todos os dias, por volta das sete da noite, ia para a janela do oitavo andar à espera do marido, que diariamente lhe presenteava com indiferença e um novo carretel de linha, nunca em cores repetidas. Era a sua realização. Desfrutando de seus vinte anos, a menina insistia em trazer algo que lhe cobria as orelhas. Se não eram o cabelo ou as mãos, arranjava um fone de ouvido ou um telefone celular. Importante, essencial, era preservar suas fronteiras, manter-se longe de todos aqueles estranhos que ameaçavam sua soberania. Imagine o quão constrangedor seria falar de amores, namorados e universidade na frente daquela gente repulsiva. Impensável. Na sala ao lado, entretanto, o menino continuava a namorar a lua. Como conhecia muito bem a catástrofe que se instalara ao seu redor, o pequeno, mesmo sendo tão pequeno, já havia renunciado a todos aqueles protocolos, àquelas relações mornas, pragmáticas, oportunistas e racionais. Antes que seus pueris sentimentos fossem tragados e corrompidos pela pusilanimidade, reuniu forças e declarou sua independência: disse a si mesmo que fugiria dali e se casaria com a lua, ainda que fosse por poucos minutos.