quinta-feira, março 29, 2007

A imponderável mística amorosa

Era mistério. Porque havia tudo naquele olharzinho de nada que ela me dava quando se concentrava no que eu não havia dito. Perdido estava meu pensamento no instante em que ela me olhava. E no fundo eu acreditava no olhar dela mais do que em suas palavras. Evidente. A gente não se dizia, a gente se consentia e pronto. Parece que o ser humano se desumaniza no instante em que ama, e ama a si mesmo quando olha o outro e sente o coração se apertar de angústia alegre – amor! – que breve, breve... Ela possuía o (meu) mundo nas mãos quando eu estava em seus braços – porque o mundo era ela e eu naquelas horas de silêncio mútuo. Mas a mutualidade é bastante reversível, e às vezes ela falava tanto que eu pensava que ficaria mudo para sempre. Porque ela parecia entender de tudo o que eu, na minha miudez emocional, já desistira de refletir. O ser humano é uma escrivaninha repleta de gavetas. Eu abria uma ou outra, ela fechava minhas tantas, e a gente assim escrevia um romance. Porque as mãos percorrem sentidos como se massageassem o ego do outro, ou de si mesmo quando o prazer é recíproco – mas não vou falar de mutualidade novamente. Talvez fosse só princípio, e a história sem fim. Eu me derretia todo quando não sabia que horas iria levá-la embora. Por que cabia a mim a angustiante missão? Levar o que se pediu para trazer - ter que devolver. E eu nem podia compartilhar, sentimentos tão bobos que nem para se rir deles serviam. Na vida a gente pula de mistério em mistério, até descobrir que vida é redescoberta. Eu já havia sentido aquelas coisas tolas antes, mas não lembrava – e hoje nem penso mais sobre isso que é para não ter saudade do antes e acostumar-me a ser para sempre o depois. E depois veio o medo de não ser o que ela esperava e eu nem sabia. E ela vinha correndo me dar notícias do que eu seria: "uma casa com quatro quartos, eu quero ter um casal de filhos, meu sonho é morar na França". Quando a gente se depara com o futuro, perde o ritmo com que caminhava até ele. Um temor enorme de rendição ao tempo, e me subia pelo peito arrepiando tudo. Eu vou morrer colado aos lábios dela, ouvindo-a sussurrar “eu te amo”. A gente se sente romântico quando gosta de alguém de graça, e eu me satisfazia sem que fosse necessário sentir que ela também sentia – mas no fundo eu sempre soube. “Jamais teria dado certo”, é uma certeza confortante quando se está distante. Mas eu ali, tão perto que minha mão na dela parecia me conectar à outra vida, e eu me encontrava em diversos estados de humor. Apesar de tudo, nosso medo revirava o nada à procura de sossego quando éramos só nós dois. Um beijo no destino e boa sorte. Eu me sentia tão por dentro de tudo que ela, vista de fora, me assustava. Houve um momento deslumbrado em que olhei para ela e pensei que não agüentaria. Porque há limite para o sentimento, sim. A gente sabe até onde pode ir sem se perder de vista. E eu ali sorrindo e tocando seu pescoço, suavemente deslizando para dentro da sua blusa, a ponto de não saber mais voltar – nem faria questão – era o perigoso mistério do estar a sós com alguém. Mas nós já não estávamos sozinhos quando o mundo era ela e eu. Havia o passado um do outro, que perturbava tanto, o futuro a acenar por nós desesperado – não venham! – e um presente entrelaçado de razão e sonhos. O plano era não planejar nada. E o imprevisível instalou-se ameaçadoramente belo à nossa frente. Mas eu falava de mistério. O mistério somos nós.

quarta-feira, março 28, 2007

Queimando probabilidades

Encontramos pessoas conhecidas em lugares inusitados. Até que todo lugar não se torne mais inusitado para encontros ao acaso. Ainda temos mto que caminhar sem destino.

Surpresas do dia, inevitavelmente marcados na memória. Conspirações estelares, vodu, ou simples coincidência, não importa. Saborear os momentos de sorte, que se tornam mais frequentes qto mais amigos vc tem, qto mais eles se tornam importantes na sua vida.

Alguém do alto pode estar rindo de vc naquele dia em que tudo dá errado, ou com você nos dias mais caóticos-divertido. Não é necessário fé, só um pouco de sorte, que começa qdo a chama de sua vida entra em contato com outra.

quinta-feira, março 22, 2007

Lee via a garoa via Lee

Ando escuro
num vagar intranquilo
eu me disparo,
eu me futuro
eu desatino...

no teu sorriso.
anoiteço poeta,
se durmo mal dormido,

e acordo no teu olho exprimido
balbuciando confuso.

Lívida.
Que nem te conheço...

(e lívido)
que eu...
sou só um rascunho
em você.

terça-feira, março 20, 2007

Esperar sexta-feira

Vontade de terminar
Esperança que começa na terça e aumenta na quarta
Na quinta depois da labuta uma saída pra dispersar a semana
E brindar a chegada da sexta

Na sexta caminho mais leve, e com mais vontade
Ouço mais samba que na segunda
Giro os plano para os encontros.

A ansiedade pelo final de semana:
Um porre, uma dança, um filme, um sofá e boa companhia
Tudo acontece antes, nos pensamentos de sexta.

sexta-feira, março 16, 2007

Rondó Rancoroso

Viúvas velhas fofoqueiras
e os meninos rejeitados
contam todos, revoltados,
estórias sobre a mãe solteira.

E essa gentalha faceira
difama também o drogado,
agora está enamorado
da mãe que não é mais solteira!

Mas que casalzinho perfeito!
Nunca um rapaz viciado
lograria qualquer afago
de uma mulher sem defeito.

Mas que casal pecaminoso!
Não se deram por satisfeitos.
Tão logo se viram no leito,
fizeram um amor tão gostoso...

Resultado: mais uma herdeira.
Ganhou um legado de merda:
o pai, viciado e poeta,
e a mãe, que já foi mãe solteira.

quarta-feira, março 14, 2007

Rosário

Morreu. Em vida, me chamava de prolixa. Eu não sabia o significado, mas ele insistia que eu devia fazer “assim, assado”. Eu queria ser Adélia Prado. Na música, tentei tocar Chico Buarque. Na “perifa”, falo gíria, sim: “Faz parte...” Mas a comida da minha mãe, ah, que delícia! Aqui é Floripa, qualquer “babado” é notícia. Até eu já fui capa de revista. “Grande mulher. Profissão: motorista.” Minha vida é como um flash. Só caminho para frente. Às vezes, engato a ré, mas ando sempre pé ante pé. Meu filho quer ser piloto de avião. Eu tenho medo de altura. Meu ex-marido – que Deus o tenha! – também gostava de dirigir. É de família! Mas dirigia mesmo a minha vida – canalha, demente, escroto! - Tocava cavaco, puxava o pagode até altas horas, bem perto do nosso barraco. O filho pequeno se agitava. Ficava sujando fralda até tarde. De medo. Medo de tiro. Tem nego que se estressa e manda bala nos malandros de arruaça. Nego que tem que trabalhar, é claro. O resto se junta. Faz batucada. A galera da “massa”. Tem medo de nada! Eu tentava escrever, mas o filho berrando, a cabeça rodava. Nunca me ensinaram a escrever. Aprendi nos livros. Mas sozinha. Sempre fui sozinha. Criei meus dois irmãos. Depois, crescidos, se afastaram. Ficou subentendido: Eles me amaram. Mas é como eu sempre digo: “Tem gente que pensa que o mundo gira em torno do próprio umbigo”. Não sou só eu que digo. Mas não vem ao caso. Assim como não vinha ao caso ele me chamar de prolixa. Jamais leu uma palavra do que escrevi. Nem lista de supermercado nem bilhete pedindo resposta urgente. Aquilo não era homem, não era humano, não era gente! Mas na poesia, eu fui Rosário. Vinicius que o diga! Caiu no conto do vigário. Perdeu o rumo nos olhos noturnos dessa mulata. Se a mãe dele me pega, é cadeia na certa – me mata! Mas eu nunca enganei ninguém. Era moça também. Gozei a juventude como bem quis. Tentei a música, a dança, quis ser atriz. Mas eu tinha pressa. Acabei “entrando pro táxi”. O poder de conduzir as pessoas! Porque chegava em casa, tinha que ouvir o vagabundo gritar: “Não fez arroz? Vou comer galinha com o quê?” E lá ia eu, esquentar a barriga no fogão, pra chegar na hora de servir e ter que ouvir: “Devia ter feito macarrão”. Casar pra quê? Minha vó aconselhava vida de mulher moderna. “Homem, se quiser muito, querida, tu paga!” Eu não dei ouvidos. Achei que a velha tava errada. Mas tava certa a danada! Contava as aventuras sexuais que vivera com meu avô para os netos, como quem conta uma história pra dormir. Parecia conto de fadas. Não fosse a pornografia. Eu sempre gostei de pornografia. Deve ser por causa da minha vó. Mas os olhos, dizem, são do pai. As orelhas, boca, dentes puxei da mãe. Um ou outro gesto do meu avô; o sorriso. Mas a tristeza veio do ex-marido. Pobre Romeu! – e que Deus o tenha! – Morreu.

quarta-feira, março 07, 2007

Convicção - 03.fev.2007 - 20h54

As dúvidas nos jogam pra baixo, as certezas nos fazem voar. A convicção em um fato, dura um ato. A integridade do espírito sua vida inteira.

Bandeiras, marcas, ideologias, gravadas a suor, sangue e fogo. A cada tempo de queda, a cada navegação a esmo, cada segundo de dor. A cada um desses momentos de escuridão quando a força de vontade queima cada desventura, o coração fica marcado, e o espírito estampado.

Somar as marcas, lembrar o caminho percorrido, o estalo na cabeça da lição demorada de se aprender. E de cima desses pilares indestrutíveis, fundidos em nossa natureza, enxergar o que você é, o que foi, o que se tornará, e não temer.

terça-feira, março 06, 2007

Passado

Um intenso reflexo
No teu olhar se fez
Era o meu rosto sublinhado
Pelos anos
Massacrado
Acariciado por teus dedos
Teus pecados.
Fui encerrado
Nesta cama:
"Ninguém me nota.Ninguém me ama"
Como é doce a amargura de ser

sol


de quem?
de mim?
por quê?
Também tenho pena de tique não sai de casa
sem
som-
bra. Tua maquiagem
não disfarça teu passado.
Galopa a vida tão depressa,
mas não te leva muito longe:
passa dó passa dó passa dó
passa

Passado.