terça-feira, abril 29, 2008

De uma catraca a outra #10 - Eles não sabem andar de metrô! [parte 2]

Mp3 player novo, Wilson completara 18, e ganhara de seus pais um mp3 player, poderia agora ouvir músicas durante sua jornada diária. Na playlist: punk rock e rap, cantavam o que Wilson tinha vontade de dizer a cada fdp que faz o mundo piorar.

É quinta-feira - falta só mais um dia! - ultimamente anda pensando muito o que é ter 18 anos: exército, trabalho, cadeia, vestibular, dirigir! - 18 anos, mais interessante que assustador, ainda bem! perto da escada rolante uma senhora com seus aproximados 70 anos arrasta uma mala, dessas com rodinhas. Wilson prontamente a ajuda carregando sua mala pela escada:

- Obrigada.
- De nada. Senhora o embarque preferencial é do outro lado.
- Ali?
- Isso.
- Tá bom, obrigada.

Como pessoas decidem viajar tendo que pegar o metrô nesse horário? No vagão devidamente lotado, música para meditar rumo a Sé, suavizar o contato físico obrigatório com pessoas que ele não sabe nem o nome - Nem com meus pais fico nesse contato todo. Pendurado na barra, segue de olhos fechados, em uma das piscadas, olha pro banco próximo á porta do outro lado. Uma garota com 2 mochilas e uma sacola em seu colo, quase que sumindo na pilha, no primeiro instante achou engraçado, no segundo seguinte notou que por trás das mochilas e da sacola havia um par de óculos, e atrás dos óculos uma garota de olhos castanhos, cabelo meio colorido - apenas algumas partes do cabelo estavam vermelhos, e piercing na orelha.
Wilson não dormiu mais, só disfarçou na primeira olhadela dela. Ele sorriu e fingiu ser por causa da música, mexendo um pouco as pernas e a cabeça, não que a música não se encaixasse: 'Ser punk eu quero ser, punk com você'[Gritando H.C.], mas preferiu ser discreto. No desembarque, na estação Sé a garota das mochilas devolveu as bagagens aos respectivos donos e desceu, Wilson a perdera de vista, distraído não percebeu que uma mulher parou de repente para lhe dar passagem na entrada da escada rolante, ela então interveio:
- Esse mundo de hoje, viu? Mulher tem que dar passagem pra esses cavalos.

Wilson percebeu mas não respondeu, apenas sorriu, ganhar alguns segundos, pra pensar em algo pra responder ao xingamento quase gratuito, nisso, um senhor abriu o verbo:
- Minha senhora, eu tenho muita certeza da educação que tive, mas a necessidade das pessoas andarem é maior. Se a senhora ficar no meio do caminho acabará empurrada.

Wilson não precisou dizer mais nada, tudo resolvido, mais uma lei da selva de pedra pra aqueles que não sabem andar de metrô: andar no fluxo apressado e insano das pessoas, pois se for mais lento é empurrado, e se for mais rápido acaba empurrando.
Pensativo achou que a mulher merecia uma resposta ordinária, mas percebeu que estaria entrando na loucura alheia, como ela, que com toda a sua educação queria evitar. E também já não importava mais, encontrara uma jóia reluzente no mar de confusão.

segunda-feira, abril 28, 2008

Sem título (simples)

Quero escrever um poema
para o nó dos teus dedos
desatar do teu cheiro
esse vestido outonal.
.
um poema para a curva do teu seio.
um poema para o teu meio
elegante, entre as pernas finas...
.
um poema menina,
para criar tua filha
e dar irmãs à pequena palavra
do nome que ela tem...
.
Um poema vai e vem
(para ler paralelo aos teus fios de cabelo...)
.
Um poema sem medo,
entre duas línguas...
.
Silencioso e despido,
um poema que míngua
junto com teu corpo,
.
depois do gozo final...

Entre a vitrine e o estoque - Memórias de uma vendedora de shopping

Capítulo 42 - Primeiro emprego

Chega uma hora em que a adolescência acaba e a gente começa a querer trabalhar.
Pra algumas pessoas é uma necessidade, pra ajudar em casa. Pra outras é aquela história de ter seu próprio dinheiro, não ter que ficar pedindo pros pais, dependendo de mesada. Eu tinha que pagar a faculdade.

Cada grupo social tem um padrão para o primeiro emprego. O pessoal mais pobre vai ser faxineiro, office boy, essas coisas. Tem gente que procura trabalho em escritório, atendimento em banco, aprendiz de qualquer coisa.
No meu círculo, as meninas iam trabalhar em loja de shopping.
Quando chegou a minha vez, foi pra lá que eu fui.

A verdade é que todo primeiro emprego é uma bosta, não importa a área. Além do trabalho em si ser sempre aquilo que ninguém mais quer fazer, Você ainda não sabe nada sobre nada e a empresa, que sabe disso, monta em cima.

A chefe inventa reunião, você vai. Inventa regra sem sentido, você segue. Diz que você não está se esforçando, você acredita. Faz de conta que seu cargo é disputado e importante pra te fazer se decidar e você fica lá, trabalhando com medo de ser mandado embora por qualquer coisa.

Mas a gente não sabe disso quando resolve trabalhar.

É por isso que eu fiz um currículo todo bonitinho, pus uma foto bonita e fui toda produzida entregar nas lojas. Mais de 50 lojas em 3 shopppings. Entrava toda sorridente, chamava o gerente entregava os papéis como se eu tivesse nascido para vender roupas.

Parecia uma ovelhinha retardada indo pro matadouro achando que, sei lá, tá indo pastar. E você só percebe o papel que fez quando vê outra pessoa fazendo o mesmo. Cada vez que entra uma embonecada toda sorrisos pedindo pelo gerente, eu tenho vontade de gritar "Corra enquanto pode!".

Mas fico quieta. Todo mundo tem que ter seu primeiro emprego de bosta. E o meu foi esse.

quinta-feira, abril 24, 2008

Um suspiro por Frederico Todeschini de Assunção

Engraçado. Sempre reclamei da baderna que você fazia às manhãs de sábado, quando eu queria dormir, e agora sinto medo da dor que o silêncio vai nos causar.

Não sei como será assistir TV sem você roubando meu espaço no sofá, sem te ver exibir sua namorada pela sala.

Sem seus banhos, passeios, manhas. Sem te colocar no colo e carinhar até que caia no sono.

Tenho medo do vazio que você deixou na casa e nos corações, e da tristeza que há de se instalar no seu lugar.

Saudades, Fred, meu cunhadinho de estimação.
Espero de verdade que exista um céu para cachorros e que você seja muito bem-vindo por lá.

quarta-feira, abril 23, 2008

Happy hour

Os dois riam aquele riso sem graça cheio de entrelinhas, que o álcool ajudava a acontecer.

"O que você acha de a gente acabar com essa conversinha e eu beijar essa sua pinta, que é o que nós dois queremos?", finalmente disse ele, referindo-se à discreta marca rosada na divisa entre lábio e pele.
Não dá pra dizer que ela nem teve tempo de pensar e já estava envolvida em um beijo íntimo. Ela teve os últimos 45 minutos pra pensar, e era só nisso que pensava mesmo.

Trabalhavam juntos há dois anos e, sinceramente, ela nunca advinharia que acabariam ali, no bar. Mas as coisas mudaram depois do último aniversário da empresa. Para ela, a culpa era daquele seu vestido perfeitamente equilibrado entre o fatal e o corporate, que deve ter inspirado no colega novos sentimentos em relação a ela - que deu pra perceber depois de 10 minutos de conversa fiada na festa. O sorriso dele, contagiante desde sempre, deixou de ser tão cordial e ficou mais carregado de intenções.

Ver nele esse novo interesse em si despertou nela qualquer coisa também.
De lá pra mesa do bar levou menos de um mês. Ela gastou muitas horas encanada com o chefe, a ética, o emprego e sabia que gastaria muitas mais. Mas agora, dane-se. Só importa esse beijo bom, com gosto de chope.

sexta-feira, abril 18, 2008

(Sem Título) cap 4 Juliana

A roda era grande, cerca de seis meninos e quatro meninas. Juliana sentia-se meio desconfortável, lembrou de uma vez que todo mundo brincou de "verdade ou desafio" na sua antiga rua, eram mais crianças, é verdade, mas deu merda, sempre dá merda. Ainda assim resolveu continuar lá, e a caneta continuava girando no centro da roda. A esfera tinteira indicava a vítima, a parte traseira da caneta, o inquisidor. Sabia que alguma hora chegaria a sua vez. Foi agraciada com o direito da pergunta por duas vezes, e, posta frente a frente com duas "verdades", fez perguntas inocentes e descompromissadas, sem nenhuma intenção de constranger o interlocutor. Enquanto sua vez de ser a vítima não chegava, ficava observando o comportamento das pessoas, no geral fazendo perguntas sexuais ou desafios mais constrangedores do que engraçados - ao menos pras vítimas - vendo quem seria o pior perguntador, quem seria o melhor... Torcia pelo Anselmo, menino doce e tímido por quem nutria um belo amor juvenil, mas achava que o rapaz nem reparava nela. Mas se fosse o Marquinhos ou o Cardume, puta merda, estaria fodida. Ainda mais agora que o delicioso galão de vinho Chapinha já estava abaixo da metade. Marquinhos era o menino bonito da roda. O espertinho, catador, garanhão, repetente, dois anos mais velho, já tinha barba e não era tão pouca! Vivia zoando os outros moleques, era daqueles que andava na frente da turma, carregando consigo meia-dúzia de moleques de baixa auto-estima, como o Cardume. Esse último, coitado, era meio lerdinho, ganhou o apelido na sala de aula ao confessar para a professora que não sabia o significado da palavra cardume. Apesar disso, era extremamente malicioso. O idiota, da última vez que teve a chance de perguntar "verdade ou desafio?", recebeu:

- Desafio.
- Vai ter que dar um beijo no Marquinho então.

A vítima era a Regininha, a mais gostosinha dentre as meninas, a precoce (as meninas maldosas diziam que era apenas meio gordinha), consciente da sua posição na pirâmide social ginasial, esperta, adiantada, até por isso um pouco arrogante. Apesar disso o Marquinhos nunca havia chegado nela. Ficou eufórica. Era sua vez! Olhou para Tânia, que mordia os lábios de inveja.

- Como assim? Não acho certo esse desafio. Não pode ter nada envolvendo outra pessoa.

Sempre é bom fazer um charme.

- Tudo bem, vamos perguntar pra ele. E aí Marquinhos, como é que é? É pegar ou largar.
- Por mim, tudo bem.

O coração de Regininha bateu mais forte, sua face corou visivelmente.

- Tá bom, vai. Mas eu ainda vou cair com a bunda dessa merda dessa caneta pro meu lado. Vamos logo com isso.

Fez cara de brava, bufou e foi em direção ao Marquinhos. Passou sua mão direita pelo pescoço do menino e o puxou para um beijo curto e intenso. Foi curto, realmente curto, mas fez o possível para dar o melhor beijo, se lembrou de todas as regrinhas da Capricho, mordiscou o lábio no final, deu uma puxada leve no cabelo em cima da nuca, passou o seu all-star por cima do all-star dele, será que acertou mesmo todas as regras?

Juliana observava tudo inquieta, tentando parecer tranqüila, fazendo piadinhas nervosas de vez em quando. Estava ansiosa, queria que aquilo acabasse logo. Internamente reprovou a atitude de sua amiga, como ela pôde fazer uma coisa dessas? Abrira um precedente terrível, agora se ela fosse sorteada não poderia escolher "desafio", não queria beijar ninguém naquela hora, estava triste, chateada, decepcionada com o imbecil do Suave, rapaz cinco anos mais velho que tirou sua virgindade há três semanas. Como ela foi burra, tudo tão clichê, ela não era uma menina esperta, com pais diferentes, que lia, via filmes, pensava, como não percebeu? Todo aquele papinho doce, aquela carinha de rapaz mais velho, barba, pelo no peito, voz grossa, já trabalhava até, tão maduro, tão inteligente, sentia-se privilegiada por ser escolhida por ele, sentia que estava à frente de sua idade. Agora se sentia jogada fora. Comeu e jogou fora. Ou melhor, comeu, comeu, comeu, comeu e jogou fora. Já não conseguia mais prestar atenção no jogo, pensava no que seus pais diriam se descobrissem, sim, eram diferentes, mas não sabia se eles seriam tão legais assim quanto a isso. Pensava que a essa hora, pelo que a Julinha contou, o Suave estaria tirando a virgindade da Cicinha, aquela gordinha da rua de baixo.

- Jú, sai dessa, esse moleque é o maior filho da puta! O Régis disse que ele é o maior cuzão, gosta de menina virgem, depois que ele transa com você algumas vezes, já era. Isso se não for uma vez só.
- Como vocês são, nem conhecem o menino! Ele é muito legal, você devia conversar com ele um dia. Além disso, ele me contou que só transou com três meninas até hoje, quatro comigo.
- E você acreditou?
- Claro, o que dizem é estória, todo mundo tem inveja dele.

Como ela foi burra! Agora estava ali, no meio daquela molecada que nem era tão amiga dela assim, bebendo aquele vinho horroroso, fumando um cigarro atrás do outro, ansiosa, meio puta da vida, cada vez mais confusa, cada vez mais triste, cada vez mais bêbada.

- Hummm... Vejam só pra quem a caneta apontou.finalmente! Fala Juliana, verdade ou desafio?

Quem perguntava, para sua alegria, era Regininha. Não eram as melhores amigas do mundo, mas até que se davam, já tinham conversado algumas vezes, dormiram juntas na casa da Marcinha, trocaram meia dúzia de confidências pueris. Não parecia oferecer nenhum perigo. Bem, por via das dúvidas...

- Verdade.

Verdade. Ah, maldita verdade! Será que ela existe mesmo em algum lugar? Em alguma cabeça, em alguma existência, em algum fenômeno, em si mesma? Como estava bêbada... Seria a verdade verde? Ou seria a verdade vinho? Queria mesmo falar a verdade? Iria mesmo falar a verdade? Que isso, devia deixar de preocupação, era só a Regininha...

- Verdade, hein? Hummm, vamos ver... Deixe-me pensar em algo bem legal... Juliana... err... Você por acaso... bem...já se.. masturbou alguma vez?

O que? Era isso mesmo que ela estava ouvindo? Como assim? Filha da puta, qual era a dessa menina? Qual o motivo dessa pergunta? Poderia mentir, pensou, mas teve medo. Sua inquiridora sabia a resposta. "Foi de propósito, com certeza. Se eu mentir, ela vai me denunciar. Vagabunda falsa do inferno".

- Qual é Regininha, que pergunta é essa?
- O jogo é assim - interveio Cardume - vai ter que responder.
- É, vai ter que responder.
- Não pode fugir.
- A regra é essa, vamo lá!

Juliana baixou os olhos, confusa. O que deveria fazer. A cabeça girando mais e mais, será que era uma piração, por que logo ela, por quê?

Os meninos ficaram agitadíssimos, ansiavam pela resposta nervosos, roendo as unhas, balançando os pés, pareciam a torcida esperando pelo pênalti que define o campeonato. Gritavam, faziam piadas, pressionavam, riam, cochichavam, gritavam mais. Tudo isso foi deixando Juliana cada vez mais confusa, todas aquelas pessoas que ela conhecera há pouco, todas aquelas idéias girando na sua cabeça, o vinho, o Suave, papai, mamâe, o Anselmo, as matérias da Capricho, os livros, a professora de religião, as meninas da rua, o diretor da escola, a voz mudando, os seios crescendo, o mamilo é assim mesmo?, que porra de estria é essa que apareceu na bunda?, a cólica, o sangue, o ginecologista, o macaco ginecológico, as revistas da gaveta do papai, o vibrador da gaveta da mamãe, aquele livro sobre feminismo para adolescentes, a Cristiane F., o Rimbaud, as bonecas na casa da Barbie, a brincadeira de corda no quintal, o filho da puta do Suave!, tudo girando, girando, girando, verdade, diziam, verdade, verdade, a verdade, verdade velha, viúva, vasta, verdade vulva, maldita verdade, não é desafio, é verdade, a verdade (!), qual era mesmo a pergunta?

- Como vocês são babacas. Quer saber: já me masturbei sim, cambada de moleque imbecil. Aposto que vocês passam pelos menos uma hora por dia trancados no banheiro de casa batendo punheta. Bando de idiota do caralho! Punheteiros de merda.
- Calma Jú! Relaxa, o jogo é assim mesmo, já respondeu, já foi - disse Camila, tentando consolar a amiga- Vamos rodar a caneta logo de uma vez.
- Roda a caneta aí, siririca! debochou Cardume.
- Cala a boca, idiota!
- Hum, tá nervosinha nega? Melhor bater uma siririquinha pra se acalmar!
- Pára com isso, Cardume!
- Qual que é? Menina idiota, não sabe brincar. Fica aí dando chilique. Se cair comigo, vou perguntar se foi com a mão ou com o chuveirinho.

Juliana andou calmamente, embora trançando as pernas, até ficar cara a cara com Cardume. Era bonita, Cardume percebeu aquela beleza prestes a emergir, sentiu-se um pouco envergonhado, olhou-a pela camiseta branca do colégio, até que já tinha uns peitinhos bonitos, porra (!), ela já tava até tocando uma, por que não poderia ser dele?

- Desculpa aí, Jú, eu tava só brincando. Eu exagerei, tudo bem, mas ta tranqüilo. Cê ta ligada que é todo mundo amigo aqui, não tem erro, foi só zoeira. O que eu faço pra você me perdoar?

Juliana quase explodiu de tanta raiva. Que papo era esse agora? Ele não tava querendo a verdade? Não era a verdade? Então daria a verdade aquele filho da puta dos infernos! Verdade vinho.

- Não quer saber mais não, idiota? Pois eu te digo: foi com o chuveirinho porque com a mão só lembra homem, que eu vou te falar, é tudo uma merda, como diria minha tia, só serve pra assinar o cheque.





Falou com tanta convicção, mas tanta convicção, que até ela mesma acreditou que já tinha transado com mais de um sujeito. Ditas as palavras de forma imponente, porém um pouco embargada, acertou um belo murro na cara de Cardume, virou as costas e saiu andando em direção a porta do apartamento. Cardume fez menção de reagir, xingou a menina de todos os nomes feios conhecidos e inventou alguns, mas todos os meninos, inclusive o Marquinhos, foram pra cima dele a fim de amansá-lo. Todos, menos o Anselmo, que seguiu Juliana até o hall do elevador.

- Ei Jú, deixa que eu te levo até a sua casa.

Juliana fez que sim com a cabeça. Esperaram o elevador em um silêncio cinza, doído. Desceram treze andares de cabeça baixa (mas o número do andar era 14), Juliana agitada, tremendo, com vontade de andar de um lado para o outro, Anselmo envergonhado pelos amigos. Saíram do prédio e seguiram pelas ruas cinzas de Santo Amaro. Era madrugada, certamente não a melhor hora para sair andando pelas imediações do Largo Treze, as ruas vazias agora só tinham seu silêncio cinza quebrado por eventuais brigas de garotos de rua, engraxates, vendedores de farol ou pedintes, todos de rostos cinza de poluição, de mendigos carregando bêbados e convictos seus carrinhos de papel, o cachorro fiel sempre ao lado, pelos freqüentadores também bêbados que saem dos puteiros fazendo escândalo, contando aos amigos suas peripécias com as não tão belas damas dos meretrícios do entorno, todos cinza, são todos cinza, quando debaixo dos holofotes baratos da periferia ficam cinza amarelado. Em meio aquela paisagem árida de tão cinza, aquele ar que até mesmo na madrugada era meio carregado da fumaça do dia, aqueles prédios feios, muitos decrépitos, a sujeira da rua, os portões cinza das lojas populares cerrados debaixo de suas fachadas (o pai da garota dizia que, 40 anos atrás, aquilo tudo era quase só mato, poderia ser verdade?), quando chegou a porta de sua casa, Juliana respirou fundo, olhou bem para Anselmo, e percebeu que, mesmo naquele lugar, mesmo debaixo daqueles holofotes amarelos, ele não era tão cinza, não era tão amarelo. Parecia até bem colorido. Soltou um riso meio frouxo para seu acompanhante.

- Não liga pra eles não, Jú. São uns idiotas, não sabem o que falam. Principalmente o Cardume, é o maior merdão, por isso que não pega ninguém!

Juliana soltou mais um riso frouxo por cima das lágrimas que tentava engolir. Mas o riso foi a armadilha e ela acabou caindo em um choro soluçante, convulsivo, incontrolável.

quarta-feira, abril 16, 2008

a vida de cão

Nem preciso sair de casa, entra
qualquer coisa horrível, salta
de repente, da tela para a sala
e assusta.
Não fosse o cão, nem precisaria
sair de casa. Noto a tristeza
do dia, que visita a minha janela
trazendo notícias: acidentes de trânsito,
(transito do quarto para a sala,
cozinha, banheiro)
furtos, seqüestros relâmpagos, tiros,
tiros... tiros!

Meu cachorro me leva para passear três vezes ao dia.

(Sem Título) cap 3 Denis, Jimenez e Rafael

Quando ergueu novamente a cabeça e a inclinou para trás, Denis sentiu o gosto amargo da farinha atingindo a língua pela parte mais funda, chegando a boca através do nariz, como quando espirramos mastigando comida e um pedaço de arroz sai voando de nossas ventas (mas nesse caso o caminho é boca-nariz, não ao contrário como no primeiro caso). A boca secou, sentiu aquela desagradável sensação de estar com um ovo cozido entalado no meio da garganta, a narina esquerda ardeu, já um pouco cansada, mas a cabeça quase voltou ao lugar como planejera antes de entrar na cabina do banheiro ao lado de Jimenez. Farinha de merda, seria preciso mais uns dois ou três tirinhos daquele para fazer passar os efeitos do excesso de vodca barata. E olha que ele nem era um grande cheirador. Comparado com o Jimenez, seu companheiro de banheiro em tantas noites frias, até que era café-com-leite. Mas o foda é que a farinha era uma bosta, ele avisou o Jimenez, ainda bem que o cara é o maior playboy, comprou logo um monte de papel. Tá certo que ele vai cheirar bem mais da metade sozinho, mas e daí? Quem é que nega cocaína de graça?

- Vamo aí Jimenez, estica logo duas taturanas pra gente terminar que pegar essa merda de fila de novo vai ser foda.
- Toma, estica aí. Só não vai mastigar o plástico que é a minha vez.

Denis estava batendo o pó quando ouviu alguém gritando de fora:

- Vamo aê com essa merda, bicharada! Não deu pra gozar ainda? Eu quero mijar, porra!

Se entreolharam e sorriram. Se fosse o Rafael, Denis pensou, sairia do banheiro imediatamente e daria uma cabeçada bem no meio das fuças do sujeito.

- A nota.

Jimenez passou a nota de dez reais das novas, dessas plastificadas, e Denis pegou sua parte. Devolveu a nota e se afastou do balcão (sempre se perguntavam se aquele balcão só servia mesmo para cheirar). Jimenez aspirou sua tira da droga, visivelmente maior que a do seu amigo, e os dois saíram do banheiro. Na porta dois rapazes, se contorcendo de tanta vontade de urinar, tentavam manter a cara feia, quando Jimenez se aproximou de um deles, abaixou os olhos e disse, com sua voz grossa, sua entonação ligeiramente efeminada, visivelmente irritado:

- Da próxima vez vai lá fora mijar no poste, bi.

Era um rapaz de topete e camisa pólo verde clara, não parecia o tipo de freqüentador do lugar, o que estaria fazendo ali? Olhou para Jimenez por algum tempo, não pareceu tão intimidado quanto seu parceiro, mas no final cedeu a frieza daquela cara andina de seu antogonista. Denis não se conteve e deu risada.

- Vâmo maluco, vâmo pra mesa que eu já to pronto pra mandar outra breja.

Dirigiram-se a mesa do lado de fora do bar lotado. Quinta-feira, arredores da Rua Augusta, o boteco arrecadava muito mais do que suas sujas paredes poderiam fazer supor a princípio. Ao chegarem, Rafael esperava distraído com duas cervejas novas na mesa, fumando um cigarro de filtro vermelho que já estava pelo fim.

- Demoraram hein?
- Muita fila.
- Sei. Vocês estavam cheirando aquela merda.
- Tem razão, replicou Jimenez, era uma merda mesmo. Nunca vi farinha tão ruim.
- Vocês são foda. Ainda vão se fuder com isso aí.
- Porra Rafa, pede um quente qualquer ai pra você e não enche o saco!
- Tá bom, tá bom... É sem preconceito cara, só to falando isso por que sou camara...
- Tá bom velho, já sabemos disso!

Denis ascendeu um cigarro. Jimenez o seguiu.

- Tá, depois vocês vão ficar que nem a Uma Thurman naquele filme, que cheirava até farinha de trigo se encontrasse no paletó de um mafioso.
- Aquilo era heroína, imbecil!
- Sorte dela, Jimenez! Podia ser até farinha de milho que ela ia cheirar.
- Sorte dela, muita sorte. A mina teve uma over.

Denis se exaltou e começou a discutir com Rafael, que ascendia um cigarro na hora, enquanto Jimenez olhava, bebia, fumava e se divertia com a cena.

- Tá bom mano, para de ser nóia, você já devia ter entendido que não é todo mundo igual a Roberta. Meu irmão era viciado que nem essa mina truta e nem por isso eu fico entrando numas com os outros drogados... Ce tem que entender de uma vez por todas que o problema é da pessoa, não da droga. Você tá bebendo, porra! Odeio discutir essas coisas com um maluco bebendo uma breja na minha frente, vê se pode!
- Não é a mesma coisa.
- Ah não, é líquido e faz mijar. Só sei que já vi você fazendo cada merda bebão...
- E eu já vi você fazer um monte de merda chapado e...
- Então! É tudo a mesma merda!
- Não, não é não. Para começar o álcool é legal e não sustenta o tráfico.
- Não acredito que você vem com esse papinho de novo. Porra moleque, você tá assistindo muito Jornal Nacional.
- Vai dizer que o tráfico é uma coisa legal?

Denis ascendeu um cigarro e tragou com nervosismo.

- Existe porque é proibido, oras. As pessoas ficam loucas desde que o mundo é mundo.
- Mas um dia proibiram, porque as pessoas ficam loucas demais.
- Ou por que empresas sujas que nem a empresa que você trabalha tinham interesses nisso? Porque governos tinham interesses nisso?
- Que interesses minha empresa pode ter em proibir as drogas?
- Empresas sujas como a sua, não a sua, espertão!
- Pelo menos eu ainda tenho neurônios.
- Caralho mano, você engoliu uma Veja hoje?
- Ih, as bibas tão nervosinhas! interveio Jimenez, rindo.
- Biba é seu pai! retrucou Rafael.
- Quem me dera...
- Calma Rafa, calma porra! Você não era assim não velho, que isso?

Rafael ficou em silêncio por alguns segundos. Tamborilou os dedos na mesa.

- Muita crocodilagem nessa vida. Que nem a galera do trampo, tudo um bando de crocodilo! Sempre tem alguém querendo passar a perna em alguém... já não confio mais nem no nego que divide a sala comigo.
- É truta, o mundo dos negócios é assim, cheio de crocodilo mesmo...E é por isso que você vai começar a pensar igual a um crocodilo?

Rafael ascendeu um cigarro e tragou profundamente.

- Nossa mano, como você viaja, não é bem assim, a gente tava falando de outra coisa...
- Eu to falando sério. O que você falou faz sentido. Muita crocodilagem, a gente fica puto. Mas e ai, pra ninguém te crocodilar você vai se tornar um crocodilo você mesmo?
- Hahahaha, do que esses caras tão falando!
- Viu só? Nem o Jimenez tá te entendendo mais.
- Não galera, para de pirar, eu to falando sério! Prestatenção no seguinte: o que o Rafa ta falando aqui é uma idéia pronta, feita por eles, para definir como a gente deve pensar e agir. Eles querem te dizer que drogas usar, o que beber, o que comer, quando e como comer e beber, o que consumir de arte, de cultura, de ideologia, de tudo! Eles querem te dar uma forma única e pronta de pensar.
- Eles quem?
- Sei lá quem. Os donos do poder, o sistema, sei lá porra!
- Ah cara, você não acha que essa idéia de "o sistema" tá meio batida não?
- Foda-se cara, é só um nome porra, preciso dar algum nome pra poder expressar minha idéia!
- Use outro nome então.
- Sei lá, que tal crocodilos?
- Tá, até serve... Mas meus companheiros de trampo são crocodilos e não são os donos do poder, não são os que mandam no "sistema".
- Mas adorariam ser. E por isso são completamente coniventes com o status-quo, por isso fazem parte e são importantes para o sistema. Ou para a rede de crocodilos... para o pântano! Existem vários tipos de crocodilos. Acho que Sampa deve ser uma das cidades com mais no mundo! Olha em volta, nesse bar. Quanta gente não deve ter feito uma crocodilagem hoje, ou não deve ter uma para fazer? Aquele cara mesmo, aquela lá, olha lá Jimenez, o que a gente trombou no banheiro. Aposto que é crocodilo, tem até escama o filho da puta!
- Nossa cara, como você tá paranóico, tá ficando louco mesmo! E eu que achei que tava encanado!
- É nada, ele tem razão - interveio Jimenez, acendendo mais um cigarro - essa merda de cidade só tem crocodilo mesmo, se você que usar essa gíria. Só tem filho da puta! Mas se você quer saber, eu to pouco me fudendo.
- Que lindo, ele ta pouco se fudendo! Ninguém esperava nada diferente de você, Jimenez. Porra, cadê a Juliana que ainda não chegou? Pelo menos vai ter alguém para concordar comigo nessa mesa!
- Ah, chega disso Denis! Você fala demais... Chama o "meu querido" e pede logo mais duas brejas pra ver se refresca um pouco sua cabeça. Enquanto isso a gente vai ali no banheiro retocar o nariz, como diria a amiga do Rafa, que tal?
- Demorô.
- Que amiga minha, Jimenez?
- A Uma Thurman!

terça-feira, abril 15, 2008

SMS de segunda-feira

é que domingo foi passando
assim,
como não querendo atrapalhar nada

e quando o sol já batia fim de tarde
era hora de voltar
e foi isso

meio sem querer
acabou em desencontro

segunda-feira, abril 14, 2008

Motor complexo da palavra

.
Penso imenso meu íntimo,
ínfimo diante de tudo.
Ínfimo diante diz tudo...

imerso eu penso,
imenso eu verso,
inverso eu venço
meu íntimo tímido
diante de tudo,
desnudo...

e escrevo de fora para dentro,
pequeno como me meço me leio
entro no meu mundo, perplexo
o reflexo permeia o castelo
de areia é também o espelho
e o tempo na ampulheta...

atravesso a mim mesmo como quem reconhece
a palavra mentida em cada palavra lavrada:
em tudo a mesma cilada: eu mesmo, lavrador de palavras.

sexta-feira, abril 11, 2008

Hai Kai?

do olho do cú da filosofia
nasceu minha poesia
que pode ser tudo, menos apatia.

quarta-feira, abril 09, 2008

Sete Sonetos

IV - quarta-feira

cambaleei pelas ruas exalando álcool e desespero
buscando em cada esquina seus olhos doídos
enxerguei seu espectro sob a luz amarela do holofote
seu sorriso era o abismo ao qual me arremessei

pobre idiota! trespassei seu fantasma intangível
e num desastre risível acabei beijando o chão
pobre imbecil! torci o pé, quebrei a cara
divertindo os trabalhadores da manhã-escuridão

e meu sangue ralo verteu veloz e ridículo
pelos ralos sujos da velha cidade
esgotando o esgoto com meu egoísmo

e cada dia é um novo porre, cada segundo,
uma nova dor. basta de novidades!
quero a rotina de volta, por favor!

terça-feira, abril 08, 2008

De uma catraca a outra #9 - Eles não sabem andar de metrô! [parte 1]

Wilson gosta do metrô, pode ir a qualquer lugar que precisa - colégio, cultura, balada, visitar amigos. O que o deixa estressado são as pessoas que não sabem andar de metrô: 'Putz, esse fdp ainda não aprendeu a pegar metrô, sai da frente da porta pô.' - indagava consigo.

Depois que começou a trabalhar e estudar, teve que pegar mais metrô, e nos piores horários. O que o faz xingar 9 pessoas por viagem, as outras 9 que ocupam o mesmo m² que o seu no vagão. Dia desses, cansado da rotina, e da tanta gente que não sabe pegar metrô começou a enumerar mentalmente as regras básicas, mesmo não gostando de regras, começando pelas do sistema educacional do metrô:
1) Levar bolsas e mochilas na frente do corpo.
2) Utilizar os corredores dos trens.
3) Não permanecer junto a porta durante a viagem.
4) Respeitar os assentos de cor cinza.
5) Não correr nas escadas.
6) Não comprar nem das esmolas no interior dos trens.

E em seguida as suas próprias:
7) Não se escorar nas barras: impedindo que as pessoas se segurem
8) Ocupar sempre do centro do corredor pra porta, independente da quantidade de pessoas no vagão.
9) Abrir as janelas antes de se sentar
10) Segurar bolsas, sacolas, mochilas volumosas de quem está de pé
11) Não carregar malas em horários de pico
12) Entrar em fila nos trens, sem empurrar

Tudo pra voltarmos a ter um transporte civilizado, pra não sermos mais transportados como animais.

Segunda-feira, manhã pra jornada de trabalho, o que pra Wilson, deveria se chamar tripla-jornada - metrô-trabalho-metrô. Como não consegue pegar o metrô na estação Guilhermina-Esperança, sai 5min mais cedo pra voltar à estação Corinthians-Itaquera e conseguir entrar em algum dos vagões. Já devidamente posicionado no meio do corredor, se segurando na barra entre as duas cadeiras observa a entrada na estação Itaquera:
- Vai! Vai! - alguns diziam.
- Credo! Deus do céu! - aclamavam outros.
e muitos estalados de 'tsc'.

Um dos que embarcaram se posicionou a uma pessoa de distância de Wilson, pela simplicidade, algum desses trabalhadores como ele mesmo e tantos outros no vagão, carregando a mochila nas mãos, o trem começou a andar, deixou a mochila no chão e abriu a janela a sua frente sem encostar nos que estavam sentados. Esperanças renovadas - existem alguns especialistas em pegar metrô. Só não pergunte a Wilson, se eles podem salvar o metrô.

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Aqui me desencontro.
e me peco onde me vejo mulher!
Cega!

falas,
falos,
feras. ; )

os corpos trabalham felicidades,
o sexo também é quase inútil...

estamina
a espinha
da rosa rosa-palavra
palavra teimosa...

o fardo não é a palavra
é o canto do olho
molhado de sol

anônimo estático
em si mesmo
se basta como o espelho
inverso da tua busca holofótica...

pelo canto do olho molhado de sol.

Daqui de onde me vês sou
seus olhos onde me vazo,
me esvazio...

posso e não quero.

terça-feira, abril 01, 2008

De uma catraca a outra #8 - Velocidade reduzida e maior tempo de parada

Dia de chuva, não há pior dia pra pegar o metrô que nos dias de chuva. E hoje só posso pegar o Lucas na creche às 18h00. Mas do jeito que anda, só 18h30:
- Os trens estão viajando com velocidade reduzida e maior tempo de parada. Agradecemos a comprrensão de todos.

Também se não tivesse compreensão todo mundo ia quebrar tudo e ninguém chega em casa.
- Só essas chuva pra parar a cidade.
- É São Pedro falando pra gente ir com calma.
- Só que a calma tá difícil desse jeito.
- ...é prova de fé.

Só com fé mesmo, eta vida viu! Vou ligar pra crache:
- Alô?
- Jardim da Mônica boa noite.
- Oi Sônia, é a Suzana.
- Oi Suzana.
- Tô ligando pra avisar que tô no metrô, e vou atrasar pra pegar o Lucas.
- Tudo bem, ele tá vendo TV com a gente.
- Brigada. Tchau!
- Tchau.

Pelo menos ele tá calmo com o atraso, porque aqui tá difícil:
# Empurra-empurra molhado? >>> quero meu banho!
# Sapato enxarcado? >>> atrás da geladeira resolve
# Que fome! >>> hoje vai ser chuchu refogado com ovo, frango e salada
Fora o tempo de parada maior nas estações, ainda por cima para na linha. Ouvi dizer que quando chove a luz cria um efeito fantasma pro maquinista, parecendo que tem gente na linha - se é verdade não sei, mas deixar fantasma atrasar gente bem viva, isso é errado!

Na creche...
- Oi Sônia, obrigada, e desculpe a demora, o metrô tá horrível.
- É nós vimos no canal 7. O Lucas até tentou te achar no metrô, mas...
- Mas o helicóptero só filmava de cima mãe.
- Fala tchau pra Sônia.
- Tchau tia.
- Tchau Lucas, tchau Suzana.
- Obrigada, até amanhã.

Enfim a volta pra casa...
- E esse moleque ainda me volta pulando nas poças!