quarta-feira, janeiro 30, 2008

(Sem Título) - Cap 1 A cidade

São Paulo é um pântano cheio de crocodilos. Cidade-pântano, pântano quente, uma panela fervente de lodo, suor, concreto e sangue. Fora um dia a terra da garoa, hoje é a cidade-fornalha, dos dias quentes e melecados que deixam a cara imunda no fim do dia, dos temporais transbordantes que transformam o gigante de concreto em uma colossal piscina de água suja, lixo e urina de ratos. São Paulo, cidade-frigideira, das chuvas ácidas caindo torrenciais sobre o asfalto incandescente, evaporando e produzindo aquele bafo quente que nos deixa a impressão de se estar lentamente cozinhando no vapor. Crocodilos no vapor.

Os crocodilos são a espécie dominante em São Paulo. Não são crocodilos comuns, é óbvio, são crocodilos das cidades-pântano e diferem drasticamente das outros tipos de crocodilos, certamente bem menos nocivos. Para começar, não têm escamas, são bípedes e andam eretos, podendo facilmente ser confundidos com seres humanos, espécie que, por sinal, já foi até comum, mas está cada vez mais rara na cidade. Os crocodilos paulistanos - como são conhecidos vulgarmente - andam em grupos ou sozinhos, sempre que possível em automóveis, na busca incessante por seus principais alimentos, poder e dinheiro. Não fazem outra coisa senão isso, e mesmo quando parecem estar fazendo outra coisa, estão fazendo isso. Podem estar em casa fumando marlboro, podem estar no bar, depois do trabalho, podem estar brincando de procriar sem procriar, mas, no fundo, e nem precisa ir tão fundo assim, estão sempre pensando em se alimentar. Seu deus maior, como disse certa vez um músico, é uma nota de cem, a carpa, azul, brilhante, cálida, vaidosa, desejada. Crocodilos adoram carpas. O crocodilo da cidade-pântano é, sem sombra de dúvida, uma espécie muito agressiva. Sim, toda grande cidade tem seus crocodilos, às vezes até as pequenas, mas é que em São Paulo tem muito.

São Paulo é a cidade do enfrentamento. Os crocodilos enfrentam os humanos, é claro, mas também se enfrentam entre si, os humanos se enfrentam entre si, todo mundo enfrenta todo mundo e, além disso, os humanos têm sido cada vez mais confundidos com crocodilos, tanto quanto os crocodilos com humanos, e por isso já não se sabe mais quem é o que, quem é quem, o que é o que ou qualquer coisa assim. È uma bagunça do cacete. São Paulo é uma cidade em guerra, ou melhor, uma cidade em guerras. Guerras pequenas, grandes, médias, frias, quentes, de todos os tipos. São Paulo é a cidade muito policiada com mais crimes de que eu já ouvi falar no mundo todo, mas posso estar errado. O que sei é que os policiais - crocodilos no geral, mas conheci alguns humanos que fogem a regra - abundam pelas ruas, e mesmo assim estão sempre faltando. É uma coisa engraçada. Para onde você olha, vê polícia, muitas vezes fortemente armados. Eu, pessoalmente, já vi cavalos, viaturas cinzentas enormes, comboio de motos e até mesmo ônibus cheios de policiais. Mesmo assim a cidade ferve em sangue como galinha ao molho pardo. Tudo pode acabar em desgraça na cidade-guerra, só não acaba para muitos porque, afinal, são muitos! A luta por espaço não pára um segundo. Cada metro no trânsito, cada farol vermelho, cada lugar reservado do ônibus, cada lugar na fila, cada mísero centímetro, cada segundo é disputado por todos como perdidos no deserto lutam pelo último cantil cheio. Há sempre uma tensão no ar, discussões acontecendo a cada segundo, e os segundos, por sinal, estão sempre faltando. Deve ser por essas e outras que os habitantes no geral não costumam se olhar nos olhos – a não ser que se conheçam, e quando muito! – e por isso detestam ambientes como elevadores lotados. Infelizmente esses ambientes são muito comuns na cidade. É sempre nos olhares que religiões, classes, ideologias, etnias e otras cositas más lutam silenciosamente, de cabeça baixa, fingindo se tolerar. Sim, todas as cidades têm conflitos, mas é que em São Paulo tem muitos.

São Paulo é a cidade-sexo, cidade-drogas, cidade moralista, paradoxal, cidade-clichê. Cidade das putas, dos travecos, dos drogados de todos os tipos, cheiradores, maconheiros, beberrões, os pedreiros do crack, a galera da balinha, a criançada da cola, cidade-leseira. É a cidade das bocas, nem mesmo o DENARC ousa fornecer um número estimativo sobre a quantidade de pontos de venda de drogas na metrópole. É a cidade dos puteiros, de luxo ou boca de lixo, todos os tipos. Cidade-foda. O sexo pulsa enjaulado em pequenos inferninhos espalhados pela cidade, nos banheiros da baladas, nas noites escuras no Parque Ibirapuera, nas elegantes casas de swing freqüentadas pela alta burguesia, nos karaokês da Liberdade, nos bailes funks da periferia, nas ruas que cercam o Jockey Club, lotadas de travecos, nos inúmeros terrenos baldios aonde abusadores levam suas vítimas, no entorno do parque Trianon, cheio de meninos fortes de braços a mostra, na Cracolândia onde crianças sem-teto transam chapadas de cola e pedra, no centro antigo com suas putas velhas e novas - gaúchas, goianas, mato-grossenses, catarinenses, paraenses, chinesas, tailandesas, multinacionais - em todo e qualquer maldito pedacinho. O sexo se esgueira por todos os cantos mal iluminados e mal-cheirosos, sempre fetichista, maluco, doente, reprimido, transbordando dos corpos falsamente tranqüilos das pessoas que trabalham pensando em sexo, mas trepam pensando no trabalho. Toda cidade tem sexo, mas é que em São Paulo... Bem, chega dessa merda de refrão!

São Paulo é a cidade-cobiça, cidade-luta, cidade-trapaça, cidade-rancor. Fábrica de loucos, para ser bem clichê. E nós, é claro, somos só mais uns deles. Não sei se somos crocodilos ou humanos, sei que somos paulistanos. Percebi a rima bobinha, mas decidi deixar ficar. É uma cidade tão feia, tão suja, não sei como gosto tanto, mas é uma cidade tão feia, um começo tão idiota para uma história tão banal, por que não manter a rima boba? Deixa essa merda aí. Foda-se! Em São Paulo estão todos fodendo com todos o tempo inteiro, em todos os malditos sentidos. É a cidade-foda-se.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

!

onde quer que a palavra não tenha saído
outro segredo sobreviveu

imergir em silêncios - mais aquele não ouvir nada no meio de tanto barulho
em brilhos e fumaça - pirotecnia ilumina noites nubladas
em flashes - click, flash!

...uma dose de noite de verão

quarta-feira, janeiro 23, 2008

tumtictumtactumtictumtac

bate tanto
o meu coração
que trinca toda
a minha costela

trinca tanto
que desanda todo
o meu tecido

transporto um pincel
goela abaixo

pincelo sem cor,
abrando o meu coração.

tum...tic...tum...tac

quarta-feira, janeiro 16, 2008

à espera do tempo

Repouso às teclas enquanto boceja à direita
um pássaro que não é meu - me espreita
à janela: não posso tocar nela, não posso
tocar nela, nela, nela... - Ouço essa música
que eu não sei de quem,
de onde vem,
e entardeço as esperas.

Eu leio o teu nome na tela.
Eu teço o teu corpo na teia.
É um poema! É um poema!

A sede é gorda, e eu te recebo
em linhas, em letras, em literaturas
norte-americanas, latinas, anônimas.
Eu te desvendo o mundo:
- Agora que enxerga tudo, conti-
nua escrevendo em mim?

Um documento sem título confessa.
Uma folha sem timbre ecoa.
(ainda escreverei um livro teu)

E o meu silêncio é ébrio
como teus dois cálices
- adivinho.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Fez um laço de fita de cetim na bola de sabão, que nem ligou, continuou subindo.

Então elas vinham perambulando pelo ar, uma por uma, e ele fitava todas elas. Enquanto isso eu fazia bolas de chiclete e olhava pro céu. Vi muitas bolas de sabão fitadas, todas de cetim.

Certa vez, pude acompanhar uma grande folia. É que, dentro de uma delas, três saltimbancos faziam estripulias. Um bolo de confetes tomava o lugar de algum lustre, estava lá no teto. Conforme a bola subia, pois elas costumavam subir com eternidade, os confetes escorregavam em notas musicais até alcançarem as bocas dos saltimbancos. Eles dançavam em roda e comiam os chocolates.

Eles davam as mãos e babavam açúcar enquanto a fita de cetim quase escapava da bola de sabão. O laço não bambeava, era todo o pedaço de fita que escorregava atrapalhando a vida daquela bola que ameaçava explodir silenciosa. Não conseguiria ver a festa desmanchar.

Ao lado daquele saltimbanco que soprava o líquido de sabão, havia uma escada tão, tão alta que eu não podia ver seu fim. Talvez, com ela, eu pudesse alcançar a bola de sabão e salvar aquela folia. Continuava mascando chiclete e pensei que pudesse salvar a festa dentro de mim. Eu sabia que assim que alcançasse aquela bola, ela estouraria. Mas eu ofereceria abrigo pros saltimbancos dentro da minha bola de chiclete.

Subi, subi, subi. Ainda estou subindo. Tomo cuidado para não atrapalhar o passeio daquelas tantas bolas de sabão fitadas, de cetim.

Percebo que a distância entre nós é a mesma desde quando eu estava lá em terra. Eu subo, mas ela também. Os saltimbancos agora dão cambalhotas e morrem de rir sem se darem conta do perigo. Talvez eles saibam de tudo, eu até penso que eles sabem! Tanto sabem que não param. Melhor morrer de festa.

Já gastei demais o meu chiclete, ele não faz mais bolas. O saltimbanco continua lançando bolas fitadas, de cetim. Elas sobem com eternidade. Subo, não sei quanto. Subo, estou entre milhares de bolas de sabão fitadas. Subo, estou fitando o céu. Subo, tem festa ainda.

Eles sabem de tudo. Vai explodir .

Não há mais degraus. Quero subir. Vou subir. Subo, .


Desmanchemos todos. No ar, feito purpurinas.

(morrendo de festa. silêncio. em música, entre bolas de sabão fitadas - de cetim, as notas de confete pelo céu)

Fez um laço de fita de cetim na bola de sabão, que nem ligou, continuou subindo...

terça-feira, janeiro 08, 2008

Inanição

.
agir...!
gentilmente expelia as palavras
- fora isso, fazia nada
além de fumar -
tanta era a fumaça que fabricava
saiu de lá
com o filme queimado

sábado, janeiro 05, 2008

Meninas pretas

Choram lágrimas de amor por tudo,
quando percorrem meus olhos
a história
no momento em que fito a menina
dos olhos
do menino preto.

Chora lágrimas de dor por tudo a menina.

Eu nada posso e tanto devo
como todos nós,
e como todos nós
só encontro meus olhos
na menina
dos olhos
do espelho.

Por que minha menina é outra.

quinta-feira, janeiro 03, 2008

Farol Vermelho

Ela está sentada ali
A me fitar, a me medir
Mede um relógio, mede um anel
Meu rosto alcança
Pede uma dança

Não cansa de perguntar
Com as mãos, com a boca muda, com o olhar
Se tem moeda, se tem trocado
E eu fingindo
Estar ocupado

Levanta-se então bem depressa
E um roto que lhe cobre a testa
Balança na brisa e avisa da dança
Pros bolsos da minha camisa

Faço que esqueço, faço um protesto
Mão no volante, outra na testa
Enxugo as sobras de consequência
Isso é obra da consciência!
Apanho migalhas brilhantes
Do bolso direito
Do jeito errado


Estendo a mão
Sou quem convida
Quem anuncia
Mais uma gota
De sub-vida
À alma-ida

Assumo a dança, e eis que então
Se aproxima com a cobiça em cada mão
Nas unhas sujas, na carne suja, na boca suja:
-Valeu, patrão!


E com as pontas dos dedos
Bem devagar
Afaga meu retrovisor esquerdo
Entristece o olhar
Num segundo inclina a cabeça
Estende sua mão para dentro
Apanha uma nota depressa

O farol desamadureceu
Eu me vou, cercado de breu


E enquanto me afasto
Eu noto no asfalto
Que os brancos dos seus olhos
Refletem no óleo da rua

No alto, na lua
Nem lembram que um dia existi

E enquanto me afasto
Eu noto no asfalto
Que os brancos dos olhos
Refletem o álcool

E o salto pro alto
Pr´além do real
Tô passado com o que está por vir

E meio que morri