sexta-feira, junho 01, 2007

Dois monólogos não formam um diálogo

Foi assim, num estalo, que se rompeu o silêncio onde havia mergulhado aquela mesa de jantar. Ou de almoço. Não fazia diferença, na verdade, já que mal pareciam uma família – na acepção clássica da palavra, a instituição que exige a existência de um pai, uma mãe e um par de filhos. Ali, eram todos estranhos uns aos outros, como se habitassem universos completa e radicalmente distintos – sem qualquer elo entre eles. Mas o estrondo vinha da sala ao lado, onde o caçula havia, mais uma vez, arrastado seu cadeirão para perto da janela. Gostava de ver a lua, dedicava horas e horas ao ato de contemplá-la, mesmo diante de críticas e comentários do pai, que achava aquilo uma inutilidade. Ele, o pai, doava-se a preocupações mais nobres, pois tinha bocas para alimentar e pouco tempo para viver. Repetia incansavelmente o mesmo trajeto, optando sempre pelas mesmas vielas que o levavam e traziam da firma. Jamais ensaiava pensar em qualquer possibilidade que não fosse aquela, que lhe servira como referência durante anos. Seu paletó, que variava entre o preto e o cinza-chumbo, preservava-se impecável, em eterna sintonia com gravatas atravessadas por opacas listas horizontais. Listas que também marcavam sua testa, sempre franzida por algum motivo não compartilhado. A mãe, aposentada por invalidez, sofria de fortes crises de identidade, e por isso fora afastada do emprego e do convívio social. Chamavam-na de bipolar. Sua vida, agora, resumia-se à miserável tarefa de bordar, bordar e bordar – incessantemente. Diziam que acalmava, que fazia bem à alma. Todos os dias, por volta das sete da noite, ia para a janela do oitavo andar à espera do marido, que diariamente lhe presenteava com indiferença e um novo carretel de linha, nunca em cores repetidas. Era a sua realização. Desfrutando de seus vinte anos, a menina insistia em trazer algo que lhe cobria as orelhas. Se não eram o cabelo ou as mãos, arranjava um fone de ouvido ou um telefone celular. Importante, essencial, era preservar suas fronteiras, manter-se longe de todos aqueles estranhos que ameaçavam sua soberania. Imagine o quão constrangedor seria falar de amores, namorados e universidade na frente daquela gente repulsiva. Impensável. Na sala ao lado, entretanto, o menino continuava a namorar a lua. Como conhecia muito bem a catástrofe que se instalara ao seu redor, o pequeno, mesmo sendo tão pequeno, já havia renunciado a todos aqueles protocolos, àquelas relações mornas, pragmáticas, oportunistas e racionais. Antes que seus pueris sentimentos fossem tragados e corrompidos pela pusilanimidade, reuniu forças e declarou sua independência: disse a si mesmo que fugiria dali e se casaria com a lua, ainda que fosse por poucos minutos.

5 comentários:

Anônimo disse...

Já senti isso na pele. Dói, cara. Parabéns pela maneira como abordou o assunto. Minha família anda meio desunida.

.hi-fi. disse...

family corp., belissimo! sabe q estava eu hoje a contemplar a lua: cheissima de si, coroada por sua própria luz! dos 3 poemas que escrevi até hj, em 2 ela aprece, teria ela mais amantes que as rosas?

Jota Mombaça disse...

muiito bom, (:

Jota Mombaça disse...

eu sempre siinto isso, e nunca sei como colocar pra foora.. poorra, brigado!

Cíntia Costa disse...

Fiquei aqui pensando em quantas cores podem haver de linhas.
Eu não conheço nem 365...