terça-feira, junho 05, 2007

Réquiem por uma Palavra

Estava no ônibus, sentada sob um sol brando de Segunda-feira, a reparar nas pessoas envoltas em seu próprio amanhecer, no clima propiciado pelos seus mp3 players, I-pods - algumas ainda apegadas ao discman, mas não importa quais eram os instrumentos emanadores de música. O fato é que eu entendi tudo o que, até então, passava diante dos meus olhos sem me atentar. É que a música dá cenário ao nosso pensar. Mas pensar em nós mesmos. Pensar no que nos cerca, no que nos afeta. Ouvir música é ser, a certo modo, egoísta. É pegar esse pano de fundo musical e colocar no palco da nossa vivência, e pronto. Sentir o que a música te induz, mas só até onde você se permitir. Mas ler... ler é emprestar-se ao mundo. Às coisas que compõem o mundo. Ao mundo do mundo. É desprender-se da terra, da poltrona, do ônibus, da própria carne e habitar outro aspecto de vida – que às vezes nem é vida, mas vive descrito na página lida; esquecer-se de quem é; não ser. Ler é quase não existir para coisa alguma e vagar fantasiado de tudo que é lido, simplesmente no ritmo dado pela acentuação gráfica: Ah! Ler, este suspiro visual, é romper as paredes do corpo e partir sem tristeza; partir para ficar; permanecer ileso ao ambiente à sua volta, mas afetado por tudo. Estremecer por dentro, lendo o turbulento. Chorar, e tomar decisões que talvez se dissipem durante o retorno ao corpo, sentado na poltrona do ônibus que viaja preso à terra, no interiorzinho de Santa Catarina, vendo vacas beges pastarem impassíveis. Ler e rir, às vezes, doer de raiva de algo que nunca existiu nem aconteceu, mas que teve vida no espaço de tempo – incontável – em que você o lia. E eu escrevo para quem lê sem saber-se lendo; viver na palavra escrita, saltando de página à página, cada vez mais sedento. Eu escrevo absurdamente ávida. Meus dedos, humildes funcionários assíduos, trabalhando sem hora determinada – a escrita em nada se encerra, nem de maneira alguma se conforma. Alguém, do lado de fora da página, me espia por dentro. Passa os olhos nesta folha: sentem-se os dedos. E a mágoa eterna de nunca ser suficiente, jamais encontrar-me aliviada em texto algum, simplesmente porque não existe o que me avise: “está bom, pode parar por aqui”. A palavra me (con)vence. A palavra é que me (co)move. Somente ela é capaz de descrever sem podar o imaginário mais profundo dos seres humanos que estão sobre ela. Na superfície da palavra, eu me deito solenemente e sou levada: letra por letra, cada vez mais aflita, na busca - incessante e suspeita – pela coisa não escrita.

3 comentários:

Anônimo disse...

Pri, o texto ficou maravilhoso, mas serei obrigado a discordar uma vez que, para mim, a música é tão embriagante quanto um livro, tão ou mais. Eu não sou eu quando toco ou ouço música. Eu fecho os olhos e crio um mundo paralelo. Mas está belíssimo o seu texto, e tão claro está, que eu até sei o que você sente, pois sinto igual, inversamente.

Cíntia Costa disse...

Que vida essa a nossa, de respirar pela palavra.
Assisti Confidencial, filme sobre o livro A Sangue Frio, de Truman Capote. Uma amiga dele disse uma hora que ele morria um pouco a cada livro. Era o preço de escrever.

Anônimo disse...

Escrever é doar-se, realmente.