segunda-feira, dezembro 31, 2007

Brindemos ao porteiro,
Enclausurado em sua cabina,
Ouvindo os fogos orgulhosos,
Ruidosos como carabinas

Brindemos à enfermeira
(pelo menos já está vestida de branco)
Espera ansiosa os resultados
Das primeiras violências do ano

Brindemos também ao motorista da ambulância
Brindemos ao motorista do ônibus, do táxi, do avião
Brindemos ao manobrista do puteiro de luxo
Ao barman do Hilton Hotel

Brindemos! Ergamos nossos copos para celebrar a moça do pedágio, a balconista da conveniência, os mendigos do centro antigo, os doentes terminais, os presos brindando com suas cachaças artesanais, o traficante sorteado para fazer plantão na hora dos fogos.

Ah, os fogos!
(sempre tem um coitado que leva chumbo na hora dos fogos)
Quantos aparelhos de TV não estão ligados, enlatando o céu colorido e fedido de pólvora?
Quantos ouvidos não ficarão parcial ou completamente surdos?
Quantas queimaduras? Algum incêndio, quem sabe...
Quantos cachorros e gatos não se escondem embaixo das camas, amedrontados?

Os fogos!
(Brindemos aos bombeiros)

Brindemos, brindemos ao primeiro segundo da meia-noite!
Brindemos o primeiro assassinato do ano, onde será? E o primeiro estupro?
O primeiro contrato fraudulento a ser assinado? O primeiro enfartado a morrer na frente de toda a família, entupido de pernil e cerveja? O primeiro jovem a morrer de overdose? A primeira traição, a primeira agressão, a primeira delação, a primeira broxada?

(Brindemos ao rapaz da farmácia 24 horas)

E o primeiro assalto, será que demora?
Brindemos ao policial que fará a primeira detenção do ano.
Brindemos os brindes mais esquecidos, mais ignorados, mais desprezados, mais repulsivos!

Viva!

Brindemos ao suicida
Que esperou paciente o encontro dos ponteiros
Para chutar a cadeira e começar o ano com classe.

10 comentários:

Priscila Lopes disse...

Um brinde a este poema!

Nayara Diniz disse...

Brindemos a estupidez da mente humana, que acredita na renovação ápos doze meses! Acredita que tudo irá mudar!

Otimo blog, adicinado nos favoritos do "psicodelicoa".

Beijo
Nayara Diniz

José Henrique Lopes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Henrique Lopes disse...

Um brinde ao primeiro poema que me fez perder o rumo em 2008. Das melhores coisas que li nos últimos tempos, com toda a sinceridade. Muito obrigado por escrever isso, meu amigo.

Anônimo disse...

Um brinde à persistência infinita do Caito! Um brinde ao Sindicato dos Escritores Baratos!

Dom Diego disse...

Trés joli!
Muito boa idéia e bem desenvolvida.

Só faço ressalvas para alguns pequenos deslizes da nossa língua inculta e bela!

Abraços

Dom Diego disse...

Trés Joli!

Muito boa idéia e um desenvolvimento interessante.

Só faço ressalvas para deslizes com nossa língua "inculta e bela".

Abraços

Unknown disse...

Quais?

J.R. Lima disse...

Grande Caito!

Tudo acontece de novo, "pela primeira vez", a cada ano. Tantos personagens injustamente esquecidos, outros que preferimos não lembrar.

Ótimo texto, dá mesmo o que pensar!

Abração e Feliz Ano Novo
(antes tarde do que mais tarde...)

Ju disse...

Minha taça partiu
Durante o brinde
Quebrou

Os pedaços de palavras romperam algumas das linhas
de minhas mãos

quem poderá prever a minha
sorte?

Eu descosturei e estou pingando vinho

(quer um gole? beba os resquícios de meu destino)

pois a taça espatifou
em minhas mãos, duras.

agora eu já nem sei.