terça-feira, março 11, 2008

De uma catraca a outra #5 - Bancos de cor cinza

Um motivo de muita dúvida para Simone são os bancos de cor cinza nos vagões. Ela sabe de uma coisa - os desenhos da placa são muito legais - todos daqueles bonecos das placas de banheiro:
1) um bem velhinho, com dor nas costas, de bengala
2) um que quebrou o pé e usa muletas
3) uma grávida
4) e uma com um bonequinho bebê no colo

Simone ia pra escola de metrô desde os 11 anos, acompanhada do irmão mais velho, 14. Foi num desses dias, de volta pra casa, que começaram algumas dúvidas - as crianças de colo:
- Por quê a senhora acha que pode se sentar aqui? O aviso diz criança DE colo, e não criança NO colo. Seu filho pode andar muito bem. - desafiou uma moça.
- ... - a senhora um tanto intimidada, colocou a criança no chão, que já cansada do dia, sentou-se em cima dos pés da mãe.
- Pode sentar aqui senhora. Vou descer logo. - levantou-se outra pessoa.
- Obrigada.

Concluiu que o português afinal tinha de ser bem falado pra não haver confusões como essa, e começou a gostar de estudar português pra ser melhor compreendida. Tempos depois, por experiência, viu que quando a situação é denunciada, sempre há a solução, mas quando não há uma palavra sobre o assunto, o silêncio coletivo escondia a cor cinza do banco.

Hoje, com 12 anos, fica dividida nas opiniões. Sua mãe sempre dissera pra se levantar caso visse pessoas numa das condições da placa, independente da cor do banco em que estivesse sentada. Mas sempre ouvia um grupo chegar e não sentar no banco de cor cinza, ou então falarem pro que se sentava: 'É seu banco mesmo. Tá velho já.'. Mas - '...mas esses bancos não são pra pessoas velhas.' - reflexionava.

Na viagem o mesmo anúncio:
- Os acentos de cor cinza são de uso preferencial. Respeite esse direito.

Se era preferencial, não era exclusivo, pronto, estava tudo esclarecido. Alívio. Espanto mesmo foi quando desrespeitaram o banco na maior cara de pau:
- Minha senhora, a senhora já é uma aposentada, o que faz esse horário no Metrô?
- Eu ainda trabalho. - respondeu a senhora.
- Eu também. - respondeu cedendo o lugar.

Nas demais vezes, ao menos havia o: fingir-durmindo. Se irritava com isso, e às vezes dava pequenos pontapés como se desequilibrasse no trem:
- Desculpa moço.
- [cara fechada misturada a cara de pseudo-sono]
- [olhar desviado para o alto]
- ...
- Não é educação goela abaixo, é o mínimo de respeito pelo outro - algo tão difícil assim, se colocar na situação de outra pessoa? Por quê não ensinam isso na escola? - perguntava a si mesma.

2 comentários:

Priscila Lopes disse...

Essa garotinha me lembrou a Mafalda (quadrinhos) e suas tiradas geniais. Aquela da aposentada que ainda trabalha... imagino até a expressão no rosto de quem se levantou para ceder o lugar a ela.

Diogo Lyra disse...

O metrô é um elevador tamanho GG.