quarta-feira, setembro 19, 2007

Postagem Sobre Ecologia - Blog Action Day Atrasado!

Aí pessoal: preparei uma postagem sobre o tema proposto para o BAD (Blog Action Day), mas meu computador foi tomado por alguma praga que me impede de postar e enviar e-mails. Sendo assim, tive de me deslocar a casa de um camarada para enfim agraciá-los com mais essa tentativa de literatura. Desculpem o atraso!

Gato Preto

"Não me surpreendo com o grito dos maus, mas sim com o silêncio dos bons".
Martin Luther King


Deslizou a faca com um pouco de força sobre a carne ensangüentada. Faca velha, as serras já não eram as mesmas, um pouco de força era necessária. Cortado o pequeno pedaço, espetou o garfo, besuntou no sangue salgado que se empoçava no prato e levou o pedaço a boca, satisfeita. Uma delícia! Aquela refeição tinha um gosto especial, ainda mais agora, era sublime. Era um boi, tudo bem, mas bem que podia ser um gato. Bastava que quisesse. O gato estava lá. Martin. Esse era o nome do gato, maldito gato, fedido, curioso, barulhento, vivia andando pelo telhado dos outros e aqueles vizinhos idiotas sempre chamando, gritando, Martin, Martin... Ah, que delicia de carne! Podia ser carne de gato! Não teria coragem, é verdade, mas gostava muito de imaginar, era ele, sim, Martin, estava comendo Martin, aquele gato insuportável que tantas vezes brigou com outros gatos em cima do telhado! Nunca gostou de gatos, também é verdade, lembrou-se de quando era pequena, pisou em um gato que estava dormindo na rua, o gato acordou assustado e a mordeu, ficou tão brava, mas tão brava, que pegou o gato pelo rabo, girou uma vez e bateu-lhe com a cabeça em um poste de luz. Nunca gostou de gatos. O que dizer daquele então, gato preto! Gato preto dá azar.

E Martin, bem... Martin era um gato educado, muito elegante. Sim, tudo bem, seria faltar a verdade dizer que não era curioso, pois qual gato não é curioso? Também não se pode omitir que era um pouco barulhento por vezes. Principalmente quando estava defendendo seu território de gatos invasores. Miava de um jeito estranho, frenético, alto, esquizofrênico, era um barulho de fato irritante que às vezes chegava a doer os ouvidos. Mas também é fato que isso acontecia raramente. Além disso, como já dito, era muito elegante, nunca fazia seus dejetos na casa dos outros (nem nos telhados). Gato amável, se dava com todas as crianças da vizinhança (exceto aquelas que não gostam de gatos), o que incluía o filho pequeno de Verônica, que adorava Martin. Isso irritava Verônica ainda mais. Pivete maldito! Já tinha dificuldades para gostar de seu filho como deveria gostar uma mãe, fazia o possível para agüentar aquele maldito pivete, atraso de vida (!), de carreira (!), ela, uma menina tão bonita, tão gostosa... Filho da puta! Em todos os sentidos (!), agüentava tudo isso, mas ficar chamando aquela porra daquele gato preto pro quintal, ah não! Aí já era demais.

Sentia-se feliz demais. Dera cabo do problema. Não teria mais que suportar a merda do gato e ainda estava deixando um aviso para os vizinhos imbecis, casalzinho jovem, metidos, com aquela fedelha a tiracolo, vivem escutando aquelas musiquinhas, gente metida a besta! Vivem falando alto, acham que ela nunca ouviu o que dizem dela? Idiotas! Idiotas! Não vão nem poder reclamar, todo mundo sabe que eles vivem com o aluguel atrasado. E além de tudo foi fácil, rápido e limpinho. Cerca de uma hora antes da refeição aqui narrada, Verônica se encontrava na cozinha, lavando a louça, emburrada. De repente, ouviu um barulho, o gato caiu pela sua janela, foi fuçar, curioso, perdeu o equilíbrio, caiu. Caiu! Só pode ser um presente! Pegou um saco de lixo preto, desses bem grandes, e rapidamente ensacou Martin, que demorou alguns segundos para começar sua reação. Nunca nenhum humano fora tão hostil a ele! Não conhecia muitos, era verdade, mas os poucos que vira eram afetuosos ou, no mínimo, respeitosos. Quando começou a se debater, o saco já estava fechado. Verônica então se voltou para a pia aonde encontraria a frigideira que daria cabo da vida do jovem Martin. Já com a arma em punho, golpeou a cabeça do gato repetidas vezes, até que ele parasse de miar e se debater. Gato preto, safado, vai morrer! Batia com um desespero alegre, com um sorriso sádico e amalucado, enquanto batia seu coração batia mais, e mais, e mais e era quase um orgasmo. A lembrança daquele momento era quase um orgasmo. Mastigava a carne e sorvia o sangue, sentindo cada partícula da morte daquele animal sem face que comprara em uma bandeja dias atrás, projetando naquela carne amorfa todo o sabor da morte (da carne) de Martin. Nunca um bife foi tão gostoso! Não era um bife comum, de um ser sem identidade, comprado no setor das carnes, depois de comprar os pães, a margarina e o sabão em pó, não, aquilo sim era carne de verdade! A fantasia a deliciava, comia e se regozijava por completo, até o arroz era embebido no sangue da vitória, da paz, do silêncio. Um dia atrás, o gato estava no telhado, miando alto e estridente! Agora o gato estava a poucas horas de sair de sua casa, em um saco preto, e virar carne moída na parte de trás do caminhão de lixo.

Pegou o telefone, entorpecida, discou o número da outra vizinha.

- Cissa?
- Fala Verônica.
- Faz um favor pra mim?
- Pode falar, querida.
- Você que tem mais intimidade com essa gente, avisa o pessoal da casa 05 que tem gente que não gosta de gato no telhado, e se eles não resolverem isso eu vou falar com a imobiliária.

Bateu o telefone entusiasmada. Comeu o último pedaço do bife o mais demoradamente possível, sentindo todas as nuances do sabor do alimento, todas as texturas, a deliciosa gordura entrelaçada nas fibras do bife, o sangue salgado e gorduroso que a fazia lamber os beiços. Pensou em fritar outro bife, quem sabe até abrir uma cerveja (!), tamanha era a felicidade pelo falecimento do felino. Pegou o prato, que era fundo, levou a boca e sorveu com gosto o resto do sangue empoçado. Estava feliz. Foi quando seu filho, que por sua parte enrolava e ainda ostentava no prato a mistura insossa de arroz com bife, quase igual a que lhe foi entregue no começo do almoço, chamou a atenção de Verônica para a janela do casal vizinho.

- Olha mamãe, gatinho!

Virou-se rapidamente. Uma gata branca, pequena, filhote, linda, ornava a janela da casa dos malditos vizinhos. Outra gata, caramba, outra!

- Gatinho, mamãe, gatinho!
- Cala essa boca moleque, come logo isso aí. Gatinho, gatinho... Era só o que me faltava! Outro! Puta merda... Outra porra de gato! Que merda! Pelo menos esse aí não é preto.

5 comentários:

Cíntia Costa disse...

Eu aposto que o garoto vai virar vegetariano.

Diogo Lyra disse...

Se uma vaca pudesse, ela devoraria você e toda a sua família...

(toc, toc, toc: na madeira!)

Bianca Feijó disse...

Passei por aqui atráves da indicação do Fundo de Quintal Literário e li todo blog com crescente admiração.
Cumprimento-o pela excelência dessa obra.

Bianca

Samantha Abreu disse...

ahahahaha

o texto é ótimo...

e o comentário do Diogo, sem comentários!
ahuauhahaaaaa
só ele mesmo!

beijos!

.hi-fi. disse...

fiquei sabendo que vingança é prato que se come mal passado.