quarta-feira, junho 11, 2008

Ódio, Rancor e Outras Mágoas - 1 Quanto Dó Juliana Dá

PS: Olá pessoal, vou republicar alguns contos, que pretendo publicar algum dia qualquer reunidos sob o nome acima, com algumas pequenas alterações e revisões, que mas é possível que tenha deixado passar algo. Sabe como é. De qualquer maneira, aí vaí o conto. Valeu!

Quanto dó Juliana dá. Quanta pena a pobre balzaca causa. Não é a pele precocemente enrugada, marcada por anos e anos de copos e cinzeiros transbordantes. Não é a barriga meio mole, tornada flácida após a extração do filho tardio. Não é a falta de pigmentação no colo que ela ostenta desavergonhada em ousados decotes que expõem seus fartos seios branquelos. Não é a perna peluda nem a cara lavada de mulher descompromissada com esse tipo de vaidade. Nada disso incomoda, irrita ou causa pena. Na verdade, é linda. Os longos cabelos negros (nº1), os traços delicados, os olhos verdes, os lábios finos e o corpo lânguido lhe conferem uma beleza que não carece de adornos.
Também não é sua pobreza a causa de tanta comiseração. Não é lá muito endinheirada, é verdade, mas o salário de securitária sempre sustentou sem maiores problemas. Não da pra usar Lancôme para hidratar as mãos e a ração da bicharada certamente não pode ser DogChow. Mas comida, cerveja e DVD pirata nunca faltam. Pode até faltar comida e DVD pirata, mas cerveja nunca falta, o que não vem ao caso, também não é o alcoolismo que tanto causa dó.
O problema da moçoila é simples: o coração. Bregamente falando. Juliana, pobre coitada, não sabe amar. É casada, claro, tem filho, irmãos, cachorros, gatos, cuida da mãe velha e doente. Cuida por amor. Atente ao que eu digo: Juliana não é incapaz de sentir amor. Aliás, o sente em larga escala. Mas o problema é que ela não sabe amar. Tem medo. Pavor. Pânico! Juliana, quando ama, odeia. Ofende, chateia, provoca. Quando precisa dividir, desespera-se (Será egoísmo ou medo?). Esconde o que é seu e usufrui do alheio. Desdenha do outro, despreza, insulta, ironiza, sempre se pondo acima. Sempre descendo mais baixo.
Pobre Juliana, assim foi educada. Foi ensinada, com muito carinho e muito amor, a odiar. Posta desde cedo acima do resto da humanidade, sempre foi considerada a menina mais bonita da cidade (a mãe quase morreu de alegria ao ver que, graças a deus!, nasceu branca), cheirosa, limpinha, de classe, sangue azul ("Você não é como essa gentalha que mora aqui nesse fim de mundo, querida! Você é linda! Você é nobre! Você é clara..."). Juliana é tão grande, tão magnífica, tão suprema (!) que se sente traída por si mesma quando se percebe desenvolvendo carinho por algum ser muito inferior. E absolutamente todos os seres são muito inferiores.
Juliana não gosta de pobre, embora também seja um pouco. Não gosta de preto, embora também seja um pouco. Juliana não gosta de nada, nada, nada que seja um pouco diferente dela mesma, modelo de perfeição a ser seguido. E o pior é que a trintona enxuta é um indivíduo bem específico.
Coitadinha. Fosse menos gostosa, talvez acabasse sozinha. Talvez esteja sozinha agora. O marido gordo e bêbado largado no sofá degustando um sandubão de mortadela. O filhote, nariz escorrendo, puxando a cortina e derrubando os bibelôs da estante. A sogra ("Velha maldita, tomara que morra logo dessa porra desse câncer!") gritando asneiras enquanto cozinha uma sopa pro "menininho" e ela lá: complemente sozinha, reciclando mágoas antigas, misturando-as as novas para formar mágoas maiores e mais resistentes. Odiando conviver com aqueles que odeia, detestando amar aqueles que ama.

***

Quanto dó, Juliana. Foste a pessoa mais detestável que eu mais amei em toda minha vida.

Nenhum comentário: