Ticiano pegava o turno da tarde no movimento da viela da rua de trás. Era uma boca pequena, tranqüila, ficava na escada sozinho, pensando sabe-se lá no que, ou então passava tardes fumando e cheirando com os “amigos”. Claro que sempre era ele que botava a droga, que pagava com parte do salário, bastante gordo para os padrões da periferia. Sabia que a maioria da molecada bancava o risco de ficar fumando e cheirando com alguém do movimento pelo simples vício, mas não se importava, os viciados sempre existiram de um jeito ou de outro, pelo menos tinha companhia para passar as tardes vazias, sentia-se bem com eles, enfim, era um pouco viciado também, um pouco, ou muito, não sabia, usava e usava e não pensava muito sobre isso, estava lá, quase que fazia parte do serviço, muito ou pouco viciado sentia-se bem entre os viciados. Mas no fundo, no fundo mesmo, precisava disso para distrair a cabeça, pois pensava demais
Filho único de mãe solteira, queridinho, precioso, jóia da minha vida, meu campeão, Ticiano perdeu sua protetora no mundo aos doze anos, depois que um dos inúmeros casos que a bela morena mantinha, enciumado pela liberdade da rapariga, deu vinte e oito facadas no peito da coitada. Daí o menino virou homem, por força das circunstâncias. Mas mantinha suas infantilidades. A princípio, pensou que ia ficar maluco. Não sabia se a morte da mãe era boa ou ruim, estava impressionado, assustado consigo. De um lado, sentia falta da mãezinha querida, protetora, que fazia tudo por ele, trabalhava duro para pagar uma escola particular aonde ele poderia ter mais chances na vida, desde que agüentasse o preconceito, velado ou não, e os apelidos idiotas e quem sabe só um ou outro tapa na cabeça se tiver sorte. O importante é que você não está em nenhuma escola de traficantes, meu filho. Sentia falta da mãe que cuidava dele quando estava doente, que lhe contava estórias na hora de dormir, que lhe comprava doces e mimos, mesmo apesar da situação de dureza, da mulher linda que arrumava tão bem o barraco que o tornava tão aconchegante quanto aquelas casas da revista Caras. Mas outra parte de Ticiano se sentiu aliviada. Agora estava livre da proteção carcerária da mãe. Podia sair na rua, podia ter amigos da quebrada sem problemas, podia ir no baile funk do Capão, podia viver finalmente. E, pra melhorar ainda mais a coisa, não teria mais de agüentar as humilhações de seus amigos. “Hei meninão da mamãe, você sabe o que sua mãe faz a noite?”, “Ontem ela foi lá no barraco do meu tio Jéferson”, “Cara, aquela morena é quente demais, aqueles peitões!”, “Por que vocês não calam essa boca antes que eu quebre a cara de vocês?”, “Ih, olha lá, o menininho da mamãe tá nervoso! Pede uma chupeta pra mamãe, bebezão!”. Não, chega! Chega de humilhações, não seria mais controlado por aquela vaca, aquela puta que o deixava dormindo trancado em casa para ir se encontrar com metade da população masculina da quebrada. Mas o que iria fazer sem mamãe? “Se essa desgraçada ao menos tivesse parentes na cidade... Mas ninguém sabe de onde ela veio!”.
De todas as escolhas possíveis, como tentar virar flanelinha (as ruas já estão tão lotadas), vender chicletes no farol, trabalhar no lava - rápido do seu Jerônimo (gambé aposentado safado que paga uma mixaria e rouba a água de um manancial a partir de um poço na casa do vizinho), no sacolão da Dona Jurema ou quem sabe de engraxate
“Como pode alguém se apaixonar por uma menina que é o terror do baile funk?”, Ticiano sempre se perguntava. Lurdinha era um estouro. De calça baixa e apertada, umbigo de fora, ou então de micro saia branca e blusinha sem sutiã da mesma cor, rebolava até o chão com suas formas perfeitas enquanto os pais rezavam desesperadamente
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