sexta-feira, junho 25, 2010

terça-feira, setembro 16, 2008

Despedida

Caros amigos e leitores do blog: uma notícia boa e uma ruim. A ruim é que esse endereço, ao qual já nos acostumamos e afeiçoamos durante os quatro anos de existência do blog, vai morrer. Acabou a era do blogspot. Apesar de toda a tristeza que abandonar essa página branca me traz, vou sem maiores delongas para evitar minha própria comoção. Estamos migrando para o diretório de blogs do site/portal/comunidade/sei-lá-mais-o-que O Pensador Selvagem, um projeto superbacaninha que vocês podem ver que bicho é com os próprios olhos. Lá estaremos em ótima companhia, vizinhos de boa parte da vida inteligente da blogosfera brasileira. Coisa fina, é ou não é? Então é isso aí macacada! A partir de agora, acersse o sindicato pelo http://sindicato.opensadorselvagem.org/ . Aqueles que tem links em seus sites e blogs para esse endereço aqui, por favor, tenham a bondade de atualizar seus links para voltarmos a usufruir das visitas que vocês gentilmenta nos rendem. Aqueles que ainda não tem um link do sindicato em seu site, blog ou coisa do gênero, bem, tá esperando o que? Aproveita o endereço novo e, como diria o outro, "linka nóis!".

Fica aqui meu agradecimento a todos que visitaram essa humilde publicação de literatura virtual barata durante esses quatro anos. Se não fosse a visita e os comentários de todos vocês, certamente não teríamos ganhado porra nenhuma com isso!

Grande abraço a todos, em meu nome e em nome de todos os outros escritores baratos desse blog (sempre sem perguntar nada antes a nenhum deles).
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PS: Não perca mais seu tempo, visite agora o novo sindicato clicando aqui!

quarta-feira, setembro 10, 2008

Colibri

Mesmo se os teus olhos
Não me pertencem mais
Não vejo por aí alguma outra que me faz

Sentir como eu sentia
Quando era calmaria
E enquanto estiver são
De não em não eu corro atrás

Sendo um reles colibri
Que paira sobre os galhos
E vê que está feliz, mas não suporta mais um talho

No peito dos desesperados
No fundo do peito dos desafinados
O pobre colibri não vai parar de cantar

Só que eu sei, que nunca existiu
Amor igual a esse que sinto, viu?
E é por isso que enquanto
Eu não encontrar outro canto
Você vai ter que ouvir meu bico em pranto

segunda-feira, agosto 18, 2008

Versos em linhas brancas # 13 (improviso preenchitório)

Leevia,

eu li as linhas brancas nos teus olhos
e dentro delas o teu ódio
por coisa nenhuma
por tua alma e a minha...

Mesmo assim
coisa alguma me fascina
nos teus olhos de cocaína...

O espelho tem outro sentido
coberto de neve e castigo

teu corpo longe, longe...
teu sexo frágil, frágil
teu gozo frígido, frígido...
teu riso forte.

(tudo tão frio escondido
longe do teu interior tímido
e fora nenhuma dor
é corpo frio acumulado:

nenhuma alma te socorre
faz o socorro em porres
em teu sorriso de coringa
e na fronte retesada

transforma tudo
em tuas passadas pesadas...

o tchau sem voz
a voz sem medo
mas alguma coisa me fascina, Lívia
nos teus vítreos olhos
olhos de cocaína...

sexta-feira, agosto 08, 2008

Ódio, Rancor e Outras Mágoas - 4 Cecília

Não importa onde estava, com quem estava ou quando estava, nunca estava bem. Aparentava estar bem, extremamente bem. Mas a verdade é que nunca estava verdadeiramente bem, nunca esteve. Por trás dos olhos mansos como o mar, algo meio "acabei de acordar", da cara pacífica e da fala bem lerda, tinha uma mente que pensava alucinadamente, o tempo inteiro, falava, falava e falava, de certa forma contra a vontade dela. Queria calá-la, queria calar-se, mas ela estava sempre atenta, sempre pensando. Sempre algo a incomodava. Tinha medo das coisas, medo das pessoas, medo de si mesma. Na sua cabeça sempre uma voz apontando as pequenas e as grandes conspirações do mundo. Sentia-se errada. Sempre errada. Se estava entre pessoas, sentia-se estranha, angustiada, sozinha. Achava-se feia e desagradável, embora fosse bela e deveras simpática. Se estava sozinha, também. Não sabia se portar entre pessoas e, sendo ela uma pessoa, não sabia como se portar consigo. Não conseguia. Se sua mente não lhe azucrinava com nada muito filosófico, tinha algum desconforto corporal, seja uma dor, uma pontada, uma coceira, uma etiqueta cutucando, a calcinha desarrumada, meia entrando no tênis, cabelo fazendo cócegas na orelha, uma gastrite, estomatite, azia, prisão de ventre, gases, resfriado, sinusite, rinite alérgica, dores musculares, cefaléia, cólica. Nunca estava tudo bom e isso a angustiava. Sempre algo estava fora do lugar. Ela mesma estava fora do lugar. Não sabia o que fazer com as mãos, não sabia o que fazer com os olhos, não sabia o que fazer com os lábios. Ainda assim tentava. Falava, e os outros nem percebiam que se desesperava, mas tudo bem, tão pouco ela percebia que os outros não percebiam que se desesperava. Vivia em um mundo à parte. Vivia no mundo. À parte.

sexta-feira, julho 25, 2008

Separação de bens

Tinha uma pedra no meio do caminho. Ela, que não é mulher de deixar lhe atravancarem a vida, chutou longe a pedra. Do lado de lá da margem, a pedra gritou:
-Mas como? Rápido assim?
-Sim, rápido assim. Ou é necessária uma cerimônia de adeus pra que se chute uma pedra?
Um passo à frente e a pedra grita:
-Tu ainda me amas. Não me venhas dizer que tudo se dissipa num segundo. E...e tudo o que aconteceu?
Um olhar. Um passo à frente.
-Esse ódio que tu por mim alimentas não é ódio, mas amor. Tu me ligas no meio da tarde para me xingar porque ainda me amas, mas já não podes ligar pra dizê-lo. Tu ainda me amas!
Um suspiro de impaciência. Um passo à frente.
-Minha presença realmente te incomoda? E por que te incomoda? Tens medo de voltar pros meus braços: eis todo o teu incômodo. Te molesta eu te trazer vinho e queijo? Te molesta porque queres compartilhá-los comigo: o vinho, o queijo e o torpor de depois, para adormeceres sobre o meu peito! Como pensas que pode seguir assim, ferida e caminhando?
Um nó na garganta. Um passo à frente.
-Que te dizem minhas outras mulheres? Quem pensam que são para de qualquer modo te atingirem, te tirarem o humor do dia? Logo a ti, que eu amei mais do que a qualquer outro ente, qualquer coisa dotada de existência em todo o mundo? Vou eu mesmo resolver isso, acabar com estes disparates.
Uma gargalhada profunda, demorada, confusa. Não mais um passo.
-Sim, rápido assim. Rápido, o contrário de lento, que foi como passaram as noites (amaldiçoadamente seguidas de manhãs e tardes que passavam com a mesma velocidade) em que te esperei. Rápido que nem um raio, um instante de loucura no qual se mata a própria mãe. Rápido como as nossas fodas; como a sua mente é rápida em inventar e sustentar mentiras. Rápido como você esquece as coisas que diz e faz. Rápido assim: um estalar de dedos. As feridas são minhas e a mim e aos meus cabe curá-las. A você já coube a confecção delas, uma por uma, como um ourives, meticulosamente cravando-as em mim. Eu sigo carregando todas, porque são minhas e não suas. Carrego também tudo o que me pertence, tudo o que você ainda não me tirou. Sua presença me incomoda porque me faz lembrar que fui de fato (quanta ingenuidade!!!) sua, e isso me envergonha, me fere o orgulho de mulher ter estado tanto tempo dentro dos teus olhos. E se você traz vinho e queijo, eu como e bebo. Mas pode estar certo de que o torpor vai ser sentido em braços distintos. Quanto a ele, que também é meu, não se preocupe: está sendo muito bem gasto. Todos os “não” ditos em sua consideração estão sendo revertidos em generosos “sim”. Não falta com quem queimar o vinho no meu sangue. Você, agora, é a mais remota das opções. E quanto as minhas querelas, elas tampouco te pertencem. Eu me debato com quem quiser, porque se você diz me conhecer deve saber que eu sou conflito em forma pura. Sou feita de embate. E por último, o seu amor você pode levar. Não faço questão porque isso não é meu.
Segue mancando, a perna esquerda e metade do peito em carne morta.

quinta-feira, julho 24, 2008

Estes dias...

Por respeito a você,
não abro os primeiros
botões da minha blusa;
não bagunço teu carro,
teu flat, teu flashback
- passado é passado, não
vamos comparar; as bandas,
o bingo, o bando de amigos
que você traz para almoçar
não me importo, não ligo,
é sério, eu posso suportar!
Só não mexe comigo, não mexe
"naqueles dias", cê sabe, nem respira!
Que eu pego tudo isso e listo,
listo, listo... Meu compromisso
é comigo mesma.
As mulheres que me fizeram,
construída de saliva, barro e sangue,
carregavam nos punhos ferro.
Aroeira nas costas.
Traziam o olhar rente ao horizonte:
baixos pela dor,
altos pela lição.
Os lábios cerrados, os dentes ocultos.
Peito duro, mas poroso.
Traziam o mundo nos ombros.
E sob as sandálias, as paixões.
O matriarcado que me gerou
Me deu de presente todos os mundos que engoliram
e algumas cicatrizes nos pés.

quarta-feira, julho 23, 2008

Ódio, Rancor e Outras Mágoas - 3 Desalmado

- Corre, maluco, corre!
- Que guéla , De Menor, puta que o pariu!
- Vai Chulé, caralho! Vaza daqui, a casa caiu!

A casa caiu. O cagueta era próximo, com certeza. Saiu do “túnel” - uma espécie de cova comprida e apertada, com mais ou menos 2 metros de profundidade, que começa a uns 20 metros da boca e segue o córrego até o outro lado da favela - e logo deu de cara com os gambés.

- Aí Chulé! Que beleza… Foi sorteado, cara! Vai tirar umas férias…

De Hortolândia, foi para Araraquara, de onde só poderia sair depois de três anos e meio.

- É, mina. Peguei um doze. Logo agora! Já tinha comprado a goma da coroa, só faltava a nossa…
- É. Só faltava a nossa…
- Aí mina, segura essa aí, logo, logo, eu to vazando dessa porra. Vamo fazê essa pelo pivete.

Não segurou. Também, nunca gostou muito do pivete. Resolveu doar a criança. Em poucos meses, Chulé recebeu o aviso da audiência.

- Porra, seu Juiz, essa mina tá loca!
- Porra? Você disse porra?
- Perdão, meritrísimo.
- É Meritíssimo!
- Isso mesmo… perdão… é que, seu juiz… essa mina quer dá meu pivete pra outras pessoa que a gente nem conhece cuidar? Qualé que é a dela? Aí, te digo de coração mano…
- Perdão?
- Digo… meri… tri..tí…ssimo… bota o pivete na mão da minha mãe aí, que ela é de responsa. Quando eu sair daqui, só vô andar do lado certo que é pra nunca mais faltar com o pivete.
- É mesmo?

Começou a chorar.

- Eu sempre achei que bandido não chora, seu juiz, e olha eu aqui! Se os caras do movimento me vê agora eu tomo um tiro nas idéia pra larga de ser bicha! Não tira o pivete de mim não, seu juiz… se ela não quer mais ele, deixa ele com nóis. Por favor!

O juiz não teve coragem de tirar o pivete de Chulé e o menino foi morar com Dona Zuleide. Chulé trabalhava o máximo que era permitido para poder reduzir sua pena, não parava de pensar na hora de ver o menino. Luis. Luis Eduardo Silveira. Lucho, que nem aquele argentino louco que tinha a conexão do melhor bagulho. Seu melhor amigo, por cinco meses. Não sabia uma palavra de castelhano e tão pouco o argentino era eficiente no português. Pra piorar, cada um carregava a fala com toneladas de gírias e corruptelas típicas de seus respectivos subúrbios natais. Ainda assim, se entendiam com perfeição. Queimaram muitos baseados, tomaram chá de cogumelo, muita farinha, mulher, docinho, cerveja e idéias na mesa do bar. Argentino estranho, trocava uma idéia diferente. Vez ou outra recitava até poesia.

- “Acciones negras descubiertas de repente como hielos, desordem vasto, oceánico, para mi que entro cantando como una espada entre indefesos”.

Chulé retrucava:

- Que papo de boneca… qualé que é, vai passar batom agora também?

Foram irmãos.

- Mira, como estás colgado!
- Que porra! Cagado é o cacete, Lucho, eu to é muito loco!
- Sí, loco, muy loco!

Lucho morreu. Luis, Luisinho, argentino loco!, Lucho. Três tiros nas costas. Jogava sinuca feliz no bar do Salada. Carlinha, sua namorada, viu tudo e chorou compulsivamente e sujou sua blusinha branca com sangue e pólvora e vísceras e arrependimentos. Nunca mais Chulé encontrou conexão de um bagulho tão bom (as vendas até caíram). Nunca mais chá de cogumelo no sítio,

- Lucho, Lucho, como é que fala mesmo, é “colgado”? Estoy colgado! Puerra, estoy muy colgado, amigo! Muy colgado!

nunca mais baseado, cerveja, mulher, farinha, docinho, idéias estranhas, nunca mais. Lucho Morreu. Assassinado. Lucho morreu. Atropelado. Saiu com a dona Zuleide pra comprar abobrinha e lingüiça, passou uma Ranger preta por cima dos dois. A dona Cleide, dona da venda do outro lado da rua, andou dizendo por aí que foi o Felipinho, um agroboy da região, mas preferiu não falar nada quando o Inspetor Gilberto lhe interrogou.

Chulé quase quebrou todos os dentes do carcereiro.

- Como assim meu pivete morreu? Minha coroa também? Cê ta me tirando? É mentira, caralho, é mentira!

Chegou o dia. Acabou a pena. Começou a pena.

- “Todo vale la pena se la alma no es pequeña”.
- Cala a boca, Lucho, ce já subiu mano! Que papo de boneca, porra! Você morreu. Lucho morreu, Lucho morreu! Todos! Sem coroa, sem pivete, sem truta forte. Será que vale a pena, Lucho? Vale porra nenhuma! Minha alma já foi vendida, truta. Já era.